segunda-feira, 19 de outubro de 2009

VIII Ciclo de Palestras do Curso de Direito da Faculdade Estácio de Sá

26 a 28 de outubro, no Auditório da OAB/SC - Florianópolis/SC
Inscrições: Faculdade Estácio de Sá
Valor : R$ 20,00 (academicos FESSC)
R$ 40,00 (outros)




terça-feira, 6 de outubro de 2009

Vida saudável, sem carro

Juro que tentei...mas sabe como é: transporte coletivo ruim, falta de planejamento urbano, clima maluco, criança pequena...não tem jeito, sou obrigada a poluir!
Thanks, mommy and daddy!
E viva os créditos de carbono!!!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Sobre as pedras do caminho...



O distraído, desatento, nela tropeçou.

Os brutos, os estúpidos as usaram como projéteis

Os empreendedores, usando-as, souberam construir

Os camponeses, cansados da lida após um dia fatigante, delas fizeram assento.

Para alguns meninos, foi brinquedo... e que brinquedo.

Drummond as poetizou: "havia uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho havia uma pedra...

David usou-a para matar Golias

e Michelangelo extraiu-lhe a mais bela escultura... David... La Pieta... Moisés...

Em todos esses casos, a diferença nunca esteve nas pedras, mas nos homens que nelas tropeçaram!!!

Não existem pedras intransponíveis.

Não existem "pedras" no meio do caminho que não possam ser aproveitadas para o crescimento....

Juntemo-nas todas... construamos vários castelos...

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Propaganda do CNJ

Vergonhosa a propaganda do Conselho Nacional de Justiça para divulgação da conciliação. Ao invés de destacar os benefícios da conciliação o comercial que vem sendo veiculado demonstra a ineficiência do Poder Judiciário e piora ainda mais a imagem que a população tem da Justiça. Com uma assessoria de imprensa deste nível, nosso presidente não se elegeria nem síndico de edifício.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Vida de mestranda - parte 1: o projeto



Revisar, reestruturar, reorganizar, repensar o projeto...Enfim, o famigerado pré-projeto agora tem que virar projeto...e tem que passar pela qualificação.
E o seu único projeto de vida agora é projeto do mestrado...
Excesso de ansiedade?
Imagina! Eu ainda nem disse que queria mudar o mundo!

Sete meses de N. Sophie


N. Sophie chegou, invadiu, expropriou, apoderou-se de minha realidade
Impossível imaginar a vida sem ela.
Irrelevante lembrar da vida antes dela.
Sete meses...sentada em meu colo a bater as mãozinhos no teclado...
Cada novo dia ilumina-se e tenho a plena convicção que o sol brilha unicamente porque ela existe.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Dissoluções

Abriu a porta e deparou-se com a mulher que a esperava. Uma senhora negra, aparentando cerca de cinqüenta anos, talvez menos. Nitidamente maltratada pela vida.
A mulher sorriu um sorriso incompleto e estendeu-lhe a mão.
- Boa tarde, doutora. Disse a negra risonha.
Sorriu também, retribuindo o cumprimento. Sentiu vontade de rir, mas conteve-se. Em seus ouvidos ainda ecoava o tratamento de doutora. Por um momento pensou nas relações sociais, na luta de classes, na exploração dos pobres...Desfez os devaneios e concentrou-se na mulher que sentara a sua frente.
- Em que posso ajudá-la dona...
- Maria Aparecida. Apressou-se em completar sua interlocutora.
- Então dona Maria Aparecida, em que eu posso ajudá-la?
-Sabe o que é doutora...eu preciso fazer um despejo.
Desapontada, ela já se preparava para informar àquela senhora que não poderia ajudá-la. Afinal, acabara de iniciar o quarto ano do curso de Direito e só tinha autorização para tratar de casos de família. A mulher teria que voltar na quarta-feira para ser atendida por um aluno em estágio mais avançado, que atendesse causas cíveis.
Mas, antes que pudesse falar qualquer coisa, Maria Aparecida passou a contar sua história. Pretendia despejar o safado do ex-marido, que mais tarde constatou-se ser na verdade seu ex-companheiro.
- Não casamos no papel não, doutora. Só juntamos os trapos.
O homem havia retirado a porta da suíte em que dormia com a dona Maria Aparecida, fechou a abertura com tijolos e abriu uma porta para a rua. Agora entrava e saía sem dar satisfação a ninguém e continuava a usar a água e a luz que a pobre coitada pagava. Dona Maria contou que, vez por outra, ainda aparecia bêbado acompanhado de alguma quenga.
Ela orientou dona Maria a procurar testemunhas, tirar fotos da casa e trazer os documentos necessários na semana seguinte. Com satisfação, entregou à pobre senhora a procuração e a declaração de pobreza.
- É para não precisar pagar as custas do processo, dona Maria.
E a mulher sorriu seu sorriso imperfeito concordando. E saiu despedindo-se, contente.
– Deus lhe pague, doutora!
Ela fechou os olhos. Rapidamente a imagem se desfez. Sua primeira cliente no escritório modelo. Sua primeira ação de dissolução de união estável! Já fazia cinco anos.
Agora, sentada em frente ao microcomputador, ela redigia sua própria ação de dissolução de união estável e a cada palavra colocava um ponto final naquela etapa de sua própria vida. Pensou em seu relacionamento desgastado e conturbado. Pensou em dona Maria Aparecida. Pensou nas tantas outras mulheres que haviam passado pelo seu escritório naqueles anos. E sorriu, satisfeita com sua escolha profissional, segundos antes que a bala disparada pela arma de seu ex-companheiro a ferisse mortalmente.

Um passo de cada vez...

As vezes temos o péssimo hábito de atropelar as coisas. Cada um e cada coisa tem o seu próprio tempo. Querer apressar o relógio, tentar apertar o passo quando a caminhada é árdua... talvez seja apenas desperdício de energia. Somos o exato resultado dos passos anteriores. Melhor pisar com cuidado...o amanhã será o resultado do próximo passo.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

11 de agosto - Dia do Advogado


SERÁ QUE HÁ ALGO A COMEMORAR?

terça-feira, 23 de junho de 2009

O amor em tempos de Lei Maria da Penha


O amor chegou e
quando dei por mim, já era tarde:
Apropriou-se de minha existência.
E após invadir cômodo a cômodo,
O amor usucapiu meu coração.

Um dia ao chegar em casa
Percebi que o amor
Estava sentado no sofá,
Taça de vinho na mão
Sorriso envolvente nos lábios
Exibia satisfeito a sentença transitada em julgado
E o mandado de averbação
Que o tornava proprietário de meu coração.

Decidi não interpor recurso
Não queria que o amor fosse embora.
Mas o tempo passou...
E certa vez, infeliz e amarga,
Decidi expropriá-lo.

Determinada a expulsar o amor de minha vida
Ajuizei ação rescisória,
Mas o amor resistiu
E com arroubos de violência e bravura
Insistia em permanecer.

Por fim, o amor acabou em gritos,
polícia, coisas quebradas, casa revirada,
Reclamação dos vizinhos
E após medidas cautelares e inquéritos
O amor foi condenado a viver afastado de mim.

Arrependida, passei a visitá-lo no presídio da solidão.
Mas o amor, magoado, recusava-se a me ver
Por fim o tempo, que tudo suaviza
Encarregou-se de convencer o amor
Que novamente tornou-se cálido
Mas agora na justa medida
Não mais queimava, mas também não era morno

E novamente o tempo
(grande vilão da história)
Amadureceu o amor em barril de carvalho
Tornou-o levemente encorpado, com notas frutadas
feito brisa em dia quente de verão
O amor agora era calmo, companheiro
E novamente me deixava extasiada a sorrir satisfeita

Após revisão criminal,
(ouvido o Ministério Público)
O amor enfim liberto
Conseguiu reabilitar-se
E sem culpas, sem medos
Excluído do rol dos culpados
Tornou-se um amor para sempre.

No meio do caminho...


Enfim, um dia você olha ao redor e percebe que trilhou o caminho errado. E que, de tanto tropeçar e dar voltas sem saber aonde ir, acabou perdendo-se na trilha da vida. E quando se deu conta, estava só. Era noite escura em uma floresta desconhecida. Haveria ainda tempo para retomar a trilha? Ou o mais acertado seria seguir em frente, sem olhar para trás, desbravando a mata impenetrável? Nenhum caminho valerá a pena se seguir tropeçando em seu próprio orgulho e comodismo, sem conseguir reconhecer toda a luz que a vida já lhe deu de presente. E constata, resignado, a verdade inexorável: sempre dependeu unicamente de você. E você falhou...


A FALSA ETERNIDADE - CARLOS DRUMOND DE ANDRADE



O verbo prorrogar entrou em pleno vigor, e não só se prorrogaram os mandatos como o vencimento de dívidas e dos compromissos de toda sorte. Tudo passou a existir além do tempo estabelecido. Em conseqüência não havia mais tempo.
Então suprimiram-se os relógios, as agendas e os calendários. Foi eliminado o ensino de História para que História? Se tudo era a mesma coisa, sem perspectiva de mudança.
A duração normal da vida também foi prorrogada e, porque a morte deixasse de existir, proclamou-se que tudo entrava no regime de eternidade. Aí começou a chover, e a eternidade se mostrou encharcada e lúgubre. E o seria para sempre, mas não foi. Um mecânico que se entediava em demasia com a eternidade aquática inventou um dispositivo para não se molhar. Causou a maior admiração e começou a receber inúmeras encomendas. A chuva foi neutralizada e, por falta de objetivo, cessou. Todas as formas de duração infinita foram cessando igualmente.
Certa manhã, tornou-se irrefutável que a vida voltara ao signo do provisório e do contingente. Eram observados outra vez prazos, limites. Tudo refloresceu. O filósofo concluiu que não se deve plagiar a eternidade.


Contos Plausíveis, in Andrade, C. D. (1992): Poesia e Prosa, Rio de Janeiro: Aguilar, pg. 1233.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Charles Baudelaire

Ninfa Salmacis - escultura grega


La rue assourdissante autour de moi hurlait.
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse,
Une femme passa, d’une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l’ourlet;
Agile et noble, avec sa jambe de statue.
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l’ouragan,
La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.
Un éclair... puis la nuit! - Fugitive beauté
Dont le regard m’a fait soudainement renaitre,
Ne te verrai-je plus que dans l’éternité?
Ailleurs; bien loin d’ici! Trop tard!Jamais peut-être!
Car j’ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
O toi que j’eusse aimée, ô toi qui le savais!

quarta-feira, 10 de junho de 2009

O MISTÉRIO DAS COUSAS


Há Metafísica bastante em não pensar em nada. O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso. Que idéia tenho eu das cousas? Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma E sobre a criação do Mundo? Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos E não pensar. É correr as cortinas Da minha janela (mas ela não tem cortinas). O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério. Quem está ao sol e fecha os olhos, Começa a não saber o que é o sol E a pensar muitas cousas cheias de calor. Mas abre os olhos e vê o sol, E já não pode pensar em nada, Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos De todos os filósofos e de todos os poetas. A luz do sol não sabe o que faz E por isso não erra e é comum e boa. Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? A de serem verdes e copadas e de terem ramos E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, A nós, que não sabemos dar por elas. Mas que melhor metafísica que a delas, Que é a de não saber para que vivem Nem saber o que não sabem? "Constituição íntima das cousas"... "Sentido íntimo do Universo" ... Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. É incrível que se possa pensar em cousas dessas, É como pensar em razões e fins Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão. Pensar no sentido íntimo das cousas É acrescentado, como pensar na saúde Ou levar um copo à água das fontes. O único sentido íntimo das cousas É elas não terem sentido íntimo nenhum. Não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, Sem dúvida que viria falar comigo E entraria pela minha porta dentro Dizendo-me, Aqui estou! (Isto é talvez ridículo aos ouvidos De que, por não saber o que é olhar para as cousas, Não compreende quem fala delas Com o modo de falar que reparar para elas ensina.) Mas se Deus é as flores e as árvores E os montes e sol e o luar, Então acredito nele, Então acredito nele a toda a hora, E a minha vida é toda uma oração e uma missa, E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos. Mas se Deus é as árvores e as flores E os montes e o luar e o sol, Para que lhe chamo eu Deus? Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; Porque, se ele se fez, para eu o ver, Sol e luar e flores e árvores e montes, Se ele me aparece como sendo árvores e montes E luar e sol e flores, É que ele quer que eu o conheça Como árvores e montes e flores e luar e sol. E por isso eu obedeço-lhe, (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?), Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, Como quem abre os olhos e vê, E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, E amo-o sem pensar nele, E penso-o vendo e ouvindo, E ando com ele a toda a hora.


Fernando Pessoa

domingo, 7 de junho de 2009

O AMOR É UMA FALÁCIA

Eu era frio e lógico. Sutil, calculista, perspicaz, arguto e astuto – era tudo isso. Tinha um cérebro poderoso como um dínamo, preciso como uma balança de farmácia, penetrante como um bisturi. E tinha – imaginem só – dezoito anos.
Não é comum ver alguém tão jovem com um intelecto tão gigantesco. Tomem, por exemplo, o caso do meu companheiro de quarto na universidade, Pettey Bellows. Mesma idade, mesma formação, mas burro como uma porta. Um bom sujeito, Compreendam, mas sem nada láem cima. Do tipo emocional. Instável, impressionável. Pior do que tudo, dado a manias. Eu afirmo que a mania é a própria negação da razão. Deixar-se levar por qualquer nova moda que apareça, entregar a alguma idiotice só porque os outros a segue, isto, para mim, é o cúmulo da insensatez. Pettey, no entanto, não pensava assim.
Certa tarde, encontrei-o deitado na cama com tal expressão de sofrimento no rosto que o meu diagnóstico foi imediato: apendicite.
- Não se mexa. Não tome laxante. Vou chamar o médico.
- Marmota – balbuciou ele.
- Marmota? – disse eu, interrompendo a minha corrida.
- Quero um casaco de pele de marmota – disse.
Percebi que o seu problema não era físico, mas mental.
- Por que você quer um casaco de pele de marmota?
- Eu devia ter adivinhado – gritou ele, socando a cabeça – Devia ter adivinhado que eles voltariam com o Charleston. Como um idiota, gastei todo o meu dinheiro em livros para as aulas e agora não posso comprar um casaco de pele de marmota!
- Quer dizer – perguntei incrédulo – que estão mesmo usando Casacos de pele de marmota outra vez?
- Todas as pessoas importantes da universidade estão. Onde você tem andado?
- Na biblioteca – respondi, citando um lugar não freqüentado pelas pessoas importantes da Universidade.
Ele saltou da cama e pôs-se a andar de um lado para o outro do quarto.
- Preciso conseguir um casaco de pele de marmota- disse, exaltado – Preciso mesmo.
- Por que, Pettey? Veja a coisa racionalmente. Casacos de pele de marmota são anti-higiênicos, são pesados, são feios, são …
- Você não compreende – interrompeu ele com impaciência – é o que todos estão usando. Você não quer andar na moda?
- Não – respondi, sinceramente.
- Pois eu sim – declarou ele – daria tudo para ter um casaco de pele de marmota. Tudo.
Aquele instrumento de precisão, meu cérebro, começou a funcionar a todo vapor.
- Tudo? – perguntei, examinando seu rosto com olhos semicerrados.
- Tudo – confirmou ele, em tom dramático.
Alisei o queixo, pensativo. Eu, por acaso, sabia onde encontrar um casaco de pele de marmota. Meu pai usara um nos seus tempos de estudante; estava agora dentro de um baú, no sótão da casa. E, também por acaso, Petey tinha algo que eu queria. Não era dele, exatamente, mas pelo menos ele tinha alguns direitos sobre ela. Refiro-me à sua namorada, Polly Spy.
Eu há muito desejava Polly Spy. Apresso-me a esclarecer que o meu desejo não era de natureza emotiva. A moça, não há dúvida, despertava emoções, mas eu não era daqueles que se deixam dominar pelo coração. Desejava Polly para fins engenhosamente calculados e inteiramente cerebrais.
Cursava eu o primeiro ano de direito. Dali a algum tempo, estaria me iniciando na profissão. Sabia muito bem a importância que tinha a esposa na vida e na carreira de um advogado. Os advogados de sucesso, segundo as minhas observações, eram quase sempre casados com mulheres bonitas, graciosas e inteligentes. Com uma única exceção, Polly preenchia perfeitamente estes requisitos.
Era bonita. Suas proporções ainda não eram clássicas, mas eu tinha certeza de que o tempo se encarregaria de fornecer o que faltava. A estrutura básica estava lá.
Graciosa também era. Por graciosa quero dizer cheia de graças sociais. Tinha porte ereto, a naturalidade no andar e a elegância que deixavam transparecer a melhor das linhagens. Á mesa, suas maneiras eram finíssimas. Eu já vira Polly no barzinho da escola comendo a especialidade da casa – um sanduíche que continha pedaços de carne assada, molho, castanhas e repolho – sem nem sequer umedecer os dedos.
Inteligente ela não era. Na verdade, tendia para o oposto. Mas eu confiava em que, sob a minha tutela, haveria de tornar-se brilhante. Pelo menos valia a pena tentar. Afinal de contas, é mais fácil fazer uma moça bonita e burra ficar inteligente do que uma moça feia e inteligente ficar bonita.
- Petey – perguntei – você ama Polly Spy?
- Eu acho que ela é interessante – respondeu – mas não sei se chamaria isso de amor. Por que?
- Você – continuei – tem alguma espécie de arranjo formal com ela? Quero dizer, vocês saem exclusivamente um com o outro?
- Não. Nos vemos seguidamente. Mas saímos os dois com outros também. Por que?
- Existe alguém – perguntei – algum outro homem que ela goste de maneira especial?
- Que eu saiba não. Por que?
Fiz que sim com a cabeça, satisfeito.
- Em outras palavras, a não ser por você, o campo está livre, é isso?
- Acho que sim. Aonde você quer chegar?
- Nada, anda – respondi com inocência, tirando minha mala de dentro do armário.
- Onde é que você vai? – quis saber Pettey.
- Passar o fim de semana em casa.
Atirei algumas roupas dentro da mala.
- Escute – disse Pettey, apegando-se com força ao meu braço – em casa, será que você não poderia pedir dinheiro ao seu pai, e me emprestar para comprar um casaco de pele de marmota?
- Posso até fazer mais do que isso – respondi, piscando o olho misteriosamente. Fechei a mala e saí.
- Olhe – disse a Pettey, ao voltar na segunda feira de manhã. Abri a mala e mostrei o enorme objeto cabeludo e fedorento que meu pai usara ao volante de seu Stutz Beacat em 1955.
- Santo Pai – exclamou Pettey com reverência. Passou as mãos no casaco e depois no rosto.
- Santo Pai – repetiu, umas quinze ou vinte vezes.
- Você gostaria de ficar com ele? – perguntei.
- Sim – gritou ele, apertando a coisa contra o peito. Em seguida, seus olhos assumiram um ar precavido. – O que quer em troca?
- A sua namorada – disse eu, não desperdiçando palavras.
- Polly? – sussurrou Pettey, horrorizado. – Você quer a Polly?
- Isso mesmo.
Ele jogou a jaqueta pra longe.
- Nunca – declarou resoluto.
Dei de ombros.
- Tudo bem. Se você não quer andar na moda, o problema é seu.
Sentei-me numa cadeira e fingi que lia um livro, mas continuei espiando Pettey, com o rabo dos olhos. Era um homem partidoem dois. Primeiro olhava para o casaco com a expressão de uma criança desamparada diante da vitrine de uma confeitaria. Depois dava-lhe as costas e cerrava os dentes, altivo. Depois voltava a olhar para o casaco. Com uma expressão ainda maior de desejo no rosto. Depois virava-se outra vez, mas agora sem tanta resolução. Sua cabeça ia e vinha, o desejo ascendendo, a resolução descendendo. Finalmente, não se virou mais: ficou olhando para o casaco com pura lascívia.
- Não é como se eu estivesse apaixonado por Polly – balbuciou. – Ou mesmo namorando sério, ou coisa parecida.
- Isso mesmo – murmurei.
- Afinal, Polly significa o que para mim, ou eu pra ela?
- Nada – respondi.
- Foi uma coisa banal. Nos divertimos um pouco. Só isso.
- Experimente – disse eu.
Ele obedeceu. O casaco caía até os pés. Ele parecia um monte de marmotas mortas
- Serve perfeitamente – disse, contente.
Levantei-me da cadeira e perguntei, estendendo a mão.
- Negócio feito?
Ele engoliu a seco.
- Feito – disse, e apertou a minha mão.
Saí com Polly pela primeira vez na noite seguinte.
O Primeiro programa teria o caráter de pesquisa preparatória. Eu desejava saber o trabalho que me esperava para elevar a sua mente ao nível desejado. Levei-a para jantar.
- Puxa, que jantar bacana! – disse ela, quando saímos do restaurante. Fomos ao cinema.
- Puxa, que filme bacana! – disse ela, quando saímos do cinema.
Levei-a para casa.
- Puxa, foi um programa bacana! – disse ela, ao nos despedirmos.
Voltei para o quarto com o coração pesado. Eu subestimara gravemente as proporções da minha tarefa. A ignorância daquela moça era aterradora. E não seria o bastante apenas instruí-la. Era preciso, antes de tudo, ensiná-la a pensar. O empreendimento se me afigurava gigantesco, e a princípio me vi inclinado a devolvê-la a Pettey. Mas aí comecei a pensar nos seus dotes físicos generosos e na maneira como entrava numa sala ou segurava uma faca, um garfo, e decidi tentar novamente.
Procedi, como sempre, sistematicamente. Dei-lhe um curso de Lógica. Acontece que, como estudante de direito, eu freqüentava na ocasião aulas de Lógica, e portanto tinha tudo na ponta da língua.
- Polly – disse eu, quando fui buscá-la para o nosso segundo encontro. – Esta noite vamos até o parque conversar.
- Ah, que bacana! – respondeu ela.
Uma coisa deve ser dita em favor da moça: seria difícil encontrar alguém tão bem disposta para tudo.
Fomos até o parque, o local de encontros da universidade, nos sentamos debaixo de uma árvore, e ela me olhou cheia de expectativa.
- Sobre o que vamos conversar? – perguntou.
- Sobre Lógica.
Ela pensou durante alguns segundos e depois sentenciou:
- bacana!
- A Lógica – comecei, limpando a garganta – é a ciência do pensamento. Se quisermos pensar corretamente, é preciso antes saber identificar as falácias mais comuns da Lógica. É o que vamos abordar hoje.
- bacana! – exclamou ela, batendo palmas de alegria.
Fiz uma careta, mas segui em frente, com coragem.
- Vamos primeiro examinar uma falácia chamada Dicto Simpliciter.
- Vamos – animou-se ela, piscando os olhos com animação.
- Dicto Simpliciter quer dizer um argumento baseado numa generalização não qualificada. Por exemplo: o exercício é bom, portanto todos devem se exercitar.
- Eu estou de acordo – disse Polly, fervorosamente. – Quer dizer, o exercício é maravilhoso. Isto é, desenvolve o corpo e tudo.
- Polly – disse eu, com ternura – o argumento é uma falácia. Dizer que o exercício é bom é uma generalização não qualificada. Por exemplo: para quem sofre do coração, o exercício é ruim. Muitas pessoas têm ordem de seus médicos para não exercitarem. É preciso qualificar a generalização. Deve-se dizer: o exercício é geralmente bom, ou é bom para a maioria das pessoas. Do contrário está-se cometendo um Dicto Simpliciter. Você compreende?
- Não – confessou ela. – Mas isso é bacana. Quero mais. Quero mais!
- Será melhor se você parar de puxar a manga da minha camisa – disse eu e, quando ela parou, continuei:
- Em seguida, abordaremos uma falácia chamada generalização apressada. Ouça com atenção: você não sabe falar francês, eu não sei falar francês, Petey Bellows não sabe falar francês. Devo portanto concluir que ninguém na universidade sabe falar francês.
- É mesmo? – espantou-se Polly. – Ninguém?
Contive a minha impaciência.
- É uma falácia, Polly. A generalização é feita apressadamente. Não há exemplos suficientes para justificar a conclusão.
- Você conhece outras falácias? – perguntou ela, animada. – Isto é até melhor do que dançar.
- Esforcei-me por conter a onda de desespero que ameaçava me invadir. Não estava conseguindo nada com aquela moça, absolutamente nada. Mas não sou outra coisa senão persistente. Continuei.
- A seguir, vem o Post Hoc. Ouça: Não levemos Bill conosco ao piquenique. Toda vez que ele vai junto, começa a chover.
- Eu conheço uma pessoa exatamente assim – exclamou Polly. – Uma moça da minha cidade, Eula Becker. Nunca falha. Toda vez que ela vai junto a um piquenique…
- Polly – interrompi, com energia – é uma falácia. Não é Eula Becker que causa a chuva. Ela não tem nada a ver com a chuva. Você estará incorrendoem Post Hoc, se puser a culpa na Eula Becker.
- Nunca mais farei isso – prometeu ela, constrangida. – Você está brabo comigo?
- Não Polly – suspirei. – Não estou brabo.
- Então conte outra falácia.
- Muito bem. Vamos experimentar as premissas contraditórias.- Vamos – exclamou ela alegremente.
Franzi a testa, mas continuei.
- Aí vai um exemplo de premissas contraditórias. Se Deus pode fazer tudo, pode fazer uma pedra tão pesada que ele mesmo não conseguirá levantar?
- É claro – respondeu ela imediatamente.
- Mas se ele pode fazer tudo, pode levantar a pedra.
- É mesmo – disse ela, pensativa. – Bem, então eu acho que ele não pode fazer a pedra.
- Mas ele pode fazer tudo – lembrei-lhe.
Ela coçou a cabeça linda e vazia.
- Estou confusa – admitiu.
- É claro que está. Quando as premissas de um argumento se contradizem, não pode haver argumento. Se existe uma força irresistível, não pode existir um objeto irremovível. Compreendeu?
- Conte outra dessas histórias bacanas – disse Polly, entusiasmada.
Consultei o relógio.
- Acho melhor parar por aqui. Levarei você em casa, e lá pensará no que aprendeu hoje. Teremos outra sessão amanhã.
Deixei-a no dormitório das moças, onde ela me assegurou que a noitada fora realmente bacana, e voltei desanimadamente para o meu quarto. Petey roncava sobre sua cama, com a jaqueta de couro encolhida a seus pés. Por alguns segundos, pensei em acordá-lo e dizer que ele podia ter Polly de volta. Era evidente que o meu projeto estava condenado ao fracasso. Ela tinha, simplesmente, uma cabeça à prova de Lógica.
Mas logo reconsiderei. Perdera uma noite, por que não perder outra? Quem sabe se em alguma parte daquela cratera de vulcão adormecido que era a mente de Polly, algumas brasas ainda estivessem vivas. Talvez, de alguma maneira, eu ainda conseguisse abaná-las até que flamejasse. As perspectivas não eram das mais animadoras, mas decidi tentar outra vez.
Sentado sob uma árvore, na noite seguinte, disse:
- Nossa primeira falácia desta noite se chama ad misericordiam.
Ela estremeceu de emoção.
- Ouça com atenção – comecei – Um homem vai pedir emprego. Quando o patrão pergunta quais as suas qualificações, o homem responde que tem uma mulher e dois filhos em casa, que a mulher e aleijada, as crianças não tem o que comer, não tem o que vestir nem o que calçar, a casa não tem camas, não há carvão no porão e o inverno se aproxima.
Uma lágrima desceu por cada uma das faces rosadas de Polly.
- Isso é horrível, horrível! – soluçou.
- É horrível – concordei – mas não é um argumento. O homem não respondeu à pergunta do patrão sobre as suas qualificações. Ao invés disso, tentou despertar a sua compaixão. Cometeu a falácia de ad misericordiam. Compreendeu?
Dei-lhe um lenço e fiz o possível para não gritar enquanto ela enxugava os olhos.
- A seguir – disse, controlando o tom da voz – discutiremos a falsa analogia. Eis um exemplo: deviam permitir aos estudantes consultar seus livros durante os exames. Afinal, os cirurgiões levam as radiografias para se guiarem durante uma operação, os advogados consultam seus papéis durante um julgamento, os construtores têm plantas que os orientam na construção de uma casa. Por que, então, não deixar que os alunos recorram a seus livros durante uma prova?
- Pois olhe – disse ela entusiasmada – está e a idéia mais interessante que eu já ouvi há muito tempo.
- Polly – disse eu com impaciência – o argumento é falacioso. Os cirurgiões, os advogados e os construtores não estão fazendo teste para ver o que aprenderam, e os estudantes sim. As situações são completamente diferentes e não se pode fazer analogia entre elas.
- Continuo achando a idéia interessante – disse Polly.
- Santo Cristo! – murmurei, com impaciência.
- A seguir, tentaremos a hipótese contrária ao fato.
- Essa parece ser boa – foi a reação de Polly.
- Preste atenção: se Madame Curie não deixasse, por acaso, uma chapa fotográfica numa gaveta junto com uma pitada de pechblenda, nós hoje não saberíamos da existência do rádio.
- É mesmo, é mesmo – concordou Polly, sacudindo a cabeça. – Você viu o filme? Eu fiquei louca pelo filme. Aquele Walter Pidgeon é tão bacana! Ele me faz vibrar.
- Se conseguir esquecer o Sr. Pidgeon por alguns minutos – disse eu, friamente – gostaria de lembrar que o que eu disse é uma falácia. Madame Curie teria descoberto o rádio de alguma outra maneira. Talvez outra pessoa o descobrisse. Muita coisa podia acontecer. Não se pode partir de uma hipótese que não é verdadeira e tirar dela qualquer conclusão defensável.
- Eles deviam colocar o Walter Pidgeon em mais filmes – disse Polly – Eu quase não vejo ele no cinema.
Mais uma tentativa, decidi. Mas só mais uma. Há um limite para o que podemos suportar.
- A próxima falácia é chamada de envenenar o poço.
- Que engraçadinho! – deliciou-se Polly.
- Dois homens vão começar um debate. O primeiro se levante e diz: ‘o meu oponente é um mentiroso conhecido. Não é possível acreditar numa só apalavra do que ele disser’. Agora, Polly, pense bem, o que está errado?
Vi-a enrugar a sua testa cremosa, concentrando-se. De repente, um brilho de inteligência – o primeiro que vira – surgiu nos seus olhos.
- Não é justo! – disse ela com indignação – Não é justo. O primeiro envenenou o poço antes que os outros pudesse beber dele. Atou as mãos do adversário antes da luta começar… Polly, estou orgulhoso de você.
- Ora – murmurou ela, ruborizando de prazer.
- Como vê, minha querida, não é tão difícil. Só requer concentração. É só pensar, examinar, avaliar. Venha, vamos repassar tudo o que aprendemos até agora.
- Vamos lá – disse ela, com um abano distraído da mão.
Animado pela descoberta de que Polly não era uma cretina total, comecei uma longa e paciente revisão de tudo o que dissera até ali. Sem parar citei exemplos, apontei falhas, martelei sem dar trégua. Era como cavar um túnel. A princípio, trabalho duro e escuridão. Não tinha idéia de quando veria a luz ou mesmo se a veria. Mas insisti. Dei duro, até que fui recompensado. Descobri uma fresta de luz. E a fresta foi se alargando até que o sol jorrou para dentro do túnel, clareando tudo.
Levara cinco noites de trabalho forçado, mas valera a pena. Eu transformara Polly em uma lógica, e a ensinara a pensar. Minha tarefa chegara a bom termo. Fizera dela uma mulher digna de mim. Está apta a ser minha esposa, uma anfitriã perfeita para as minhas muitas mansões. Uma mãe adequada para os meus filhos privilegiados.
Não se deve deduzir que eu não sentia amor por ela. Muito pelo contrário. Assim como Pigmaleão amara a mulher perfeita que moldara para si, eu amava a minha. Decidi comunicar-lhe os meus sentimentos no nosso encontro seguinte. Chegara a hora de mudar as nossas relações, de acadêmicas para românticas.
- Polly, disse eu, na próxima vez que nos sentamos sob a árvore – hoje não falaremos de falácias.
- Puxa! – disse ela, desapontada.
- Minha querida – prossegui, favorecendo-a com um sorriso – hoje é a sexta noite que estamos juntos. Nos demos esplendidamente bem. Não há dúvidas de que formamos um bom par.
- Generalização apressada – exclamou ela, alegremente.
- Perdão – disse eu.
- Generalização apressada – repetiu ela. – Como é que você pode dizer que formamos um bom par baseado em apenas cinco encontros?
Dei uma risada, contente. Aquela criança adorável aprendera bem as suas lições.
- Minha querida – disse eu, dando um tapinha tolerante na sua mão – cinco encontros são o bastante. Afinal, não é preciso comer um bolo inteiro para saber se ele é bom ou não.
- Falsa Analogia – disse Polly prontamente – eu não sou um bolo, sou uma pessoa.
Dei outra risada, já não tão contente. A criança adorável talvez tivesse aprendido a sua lição bem demais. Resolvi mudar de tática. Obviamente, o indicado era uma declaração de amor simples, direta e convincente. Fiz uma pausa, enquanto o meu potente cérebro selecionava as palavras adequadas. Depois reiniciei.
- Polly, eu te amo. Você é tudo no mundo pra mim, é a lua e a estrelas e as constelações no firmamento. For favor, minha querida, diga que será minha namorada, senão a minha vida não terá mais sentido. Enfraquecerei, recusarei comida, vagarei pelo mundo aos tropeções, um fantasma de olhos vazios.
Pronto, pensei; está liquidado o assunto.
- Ad misericordiam – disse Polly.
Cerrei os dentes. Eu não era Pigmaleão; era Frankenstein, e o meu monstro me tinha pela garganta. Lutei desesperadamente contra o pânico que ameaçava invadir-me. Era preciso manter a calma a qualquer preço.
- Bem, Polly – disse, forçando um sorriso – não há dúvida que você aprendeu bem as falácias.
- Aprendi mesmo – respondeu ela, inclinando a cabeça com vigor.
- E quem foi que ensinou a você, Polly?
- Foi você.
- Isso mesmo. E portanto você me deve alguma coisa, não é mesmo, minha querida? Se não fosse por mim, você nunca saberia o que é uma falácia.
- Hipótese Contrária ao Fato – disse ela sem pestanejar.
Enxuguei o suor do rosto.
- Polly – insisti, com voz rouca – você não deve levar tudo ao pé da letra. Estas coisas só têm valor acadêmico. Você sabe muito bem que o que aprendemos na escola nada tem a ver com a vida.
- Dicto Simpliciter – brincou ela, sacudindo o dedo na minha direção.
Foi o bastante. Levantei-me num salto, berrando como um touro.
- Você vai ou não vai me namorar?
- Não vou – respondeu ela.
- Por que não? – exigi.
- Porque hoje à tarde eu prometi a Pettey Bellows que eu seria a namorada dele.
Quase caí para trás, fulminado por aquela infâmia. Depois de prometer, depois de fecharmos negócio, depois de apertar a minha mão!
- Aquele rato! – gritei, chutando a grama. – Você não pode sair com ele, Polly. É um mentiroso. Um traidor. Um rato.
- Envenenar o poço – disse Polly – E pare de gritar. Acho que gritar também deve ser uma falácia.
Com uma admirável demonstração de força de vontade, modulei a minha voz.
- Muito bem – disse – você é uma lógica. Vamos olhar as coisas logicamente. Como pode preferir Pettey Bellows? Olhe para mim: um aluno brilhante, um intelectual formidável, um homem com futuro assegurado. E veja Pettey: um maluco, um boa vida, um sujeito que nunca saberá se vai comer ou não no dia seguinte. Você pode me dar uma única razão lógica para namorar Pettey Bellows?
- Posso sim – declarou Polly – Ele tem um casaco de pele de marmota.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

OLAVO BILAC

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.

terça-feira, 26 de maio de 2009

O FIM



E ela finalmente decidira-se. Levantou-se cedo. Limpou e arrumou toda a casa. Desfez-se de alguns papéis velhos e sem importância. Banhou-se demoradamente. Perfumou-se e penteou os longos cabelos ruivos, amarrando-os com uma fita. Dançou descalça pela casa, entoando uma canção antiga. E com doçura angelical, atirou-se da janela do décimo segundo andar. Pairou triunfante, com suas imensas asas, sobre a multidão que se aglomerava a observar o corpo ensangüentado estendido na calçada.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

EM BREVE - MOSTRA INDIVIDUAL KAZZUO WATANABE

Clique na figura para ampliar

I SIMPÓSIO DE DIREITO AMBIENTAL DA FESSC: OCÓDIGO AMBIENTAL CATARINENSE EM DEBATE


O LAGO

Narciso - Caravaggio



Começara sem grande importância. Toda a tarde sentava-se a apreciar as luzes e cores que ele refletia. Passou então a atentar aos aromas e ao odor que dele emanava. Logo se percebeu inebriada com tantas sensações. Queria tocá-lo, senti-lo em sua pele nua. Devorá-lo até que nada restasse. Ouvia seus murmúrios, seus lamentos. Nada a impediria. Despiu-se. Correu lânguida ao seu encontro. O sol aquecia seu corpo nu. A relva acariciava seus pés. Enlouquecida, atirou-se sobre ele. Morreu feliz, afogada no lago.

domingo, 24 de maio de 2009

UM MUNDO PARA SOPHIE



Em breve você irá caminhar...primeiro com dificuldade

Mas logo, a passos largos começará a construir seu próprio mundo
Provavelmente diferente do meu...

Minha realidade...tão diversa daquela que sonhei quando criança

Mas quantos de nós são verdadeiramente capazes de realizar seus sonhos infantis?
E quantos conservam o mesmo entusiasmo da juventude?
Sophie...sofia...sabedoria...escolhi teu nome por amor...
Meta inalcançável... Meu objetivo inatingível...
Quiçá consiga em você despertar a mesma paixão pela qual fui acometida...
E possa impregnar-te do mesmo anseio voraz,
Capaz de te fazer passar noites em claro devorando livros
Que te levará a aventurar-se em discussões filosóficas mil
Mas ainda que o persigas com a mesma fúria alucinada
Jamais o terás em sua plenitude
Mas que cada ínfimo dele com o que te depares torne-te melhor
Mais lúcida, mais hábil
E que isto torne teu mundo melhor...
E que isto torne teu mundo feliz.

MOMENTO DE PARTIR

Caravaggio - Penitent Magdalene, 1597

Enfim chegara a hora...Ergueu cuidadosamente o pequeno embrulho. Fizera questão de acondicioná-lo minuciosamente na noite anterior. Colocara-o dentro de uma caixinha de vidro transparente e embrulhara-o como se fora um presente. Ornamentou-o com uma fita de cetim carmim, esmaecida por suas lágrimas. Jogou nos ombros a mochila onde guardara seus sonhos e atravessou a sala de seus desatinos, fechando atrás de si a porta daquele lugar chamado destino. Carregava nas mãos o embrulho onde guardara seu coração partido.

sábado, 23 de maio de 2009

Viagem ao mundo dos mortos de Virgílio

Chegando a Cumas, Enéias desembarca na praia Hespéria com sua frota. É lá que fica o retiro afastado da Sibila temível, antro monstruoso onde o profeta de Delos lhe inspira a alma e lhe descobre o porvir. Enéias e seus companheiros já penetravam no bosque, quando Acates, que havia sido mandado na frente, apresenta-se juntamente com a sacerdotisa de Febo e de Trívia, Deífobe, que sugere que sejam oferecidos os sacrifícios de costume.
O templo no qual encontram-se as respostas da Sibila assemelha-se a uma caverna, onde cem entradas largas conduzem a cem portas, das quais saem outras tantas vozes, respostas da sibila. À entrada da porta a sacerdotisa, já possuída pelo sagrado furor, diz a Enéias que é tarde demais para que ele ofereça seus votos e preces. No entanto, as portas se abrem para o troiano.
Ansioso para saber que destino os deuses reservavam-lhe, Enéias oferece-se para construir um templo de mármore dedicado a Febo e a guardar nele seus oráculos. Pede ainda a sacerdotisa que ela o deixe ir ao reino de Hades, onde deseja encontrar seu pai e com ele conversar:
Não te peço senão uma coisa: visto que é aqui, diz-se, a porta do rei dos Infernos e o tenebroso pântano para onde reflui o Aqueronte, que me seja lícito ir ver meu pai querido e com ele praticar; ensina-me o caminho e abre-me as portas sagradas.

A sacerdotisa avisa-lhe que as portas do sombrio Dite estão abertas noite e dia, mas poucos mortais puderam retornar.
Florestas ocupam todo o espaço intermediário e o Cocito no seu curso, o rodeia com negro circuito. Se tens tão grande desejo, tão grande avidez de atravessar duas vezes o negro Tártaro, e se te apraz tentar tão louca empresa, ouve primeiramente as coisas que devem ser feitas.
A sacerdotisa avisa a Enéias que ele deve encontrar escondido no bosque uma árvore que produz um ramo de ouro, sem o qual não lhe será permitido penetrar nas profundezas da terra. Avisa-o ainda, que um dos seus companheiros de frota jaz sem sepultura e que ele deve fecha-lo no sepulcro e oferecer os sacrifícios e oferendas necessários aos deuses.
Ao retornar a praia, Enéias encontra seu companheiro Miseno, morto com morte indigna e apressa-se a seguir as ordens da Sibila. Vai à antiga floresta e suplica: Oh! Se o ramo de ouro a nós se mostrasse sobre uma árvore, nesta tão grande floresta! Pois tudo o que disse a profetisa não era, ai de mim! Verdadeiro senão pra ti, ó Miseno!
Mal proferira estas palavras quando vê descer do céu duas pombas, que o herói logo reconhece como pertencentes a sua mãe. Pede-lhes que mostrem o caminho até o ramo sagrado e elas obedecem, voando ao alcance dos olhos do herói, até pousarem sobre uma árvore, onde o brilho do ouro, filtrando-se através dos ramos ofusca os olhos.
Enéias destaca o ramo e leva-o à morada da Sibila e passa a executar suas prescrições. Havia uma caverna profunda, monstruosamente talhada na rocha, com grande abertura, protegida por um negro lago e pelas trevas dos bosques. Lá realizam as preces e oferendas necessárias. Ao amanhecer, a sacerdotisa diz a Enéias que é o momento em que precisará dispor de toda a sua coragem. Penetram então no antro.
No próprio vestíbulo, à entrada das gargantas do Orco, o Luto e os Remorsos vingadores puseram seus leitos; lá habitam as pálidas Doenças e a triste Velhice, e o Temor, e a Fome, má conselheira, e a espantosa Pobreza, formas terríveis de se ver, e a Morte e o Sofrimento; depois o Sono, irmão da Morte, e as Alegrias perversas do espírito, e, no vestíbulo fronteiro, a Guerra mortífera, e os férreos tálamos das Eumênides, e a Discórdia insensata, com sua cabeleira de víboras, atada com fitas sangrentas.
No meio, um olmeiro opaco, enorme, estende seus ramos e seus galhos seculares, morada que freqüentam os Sonhos vãos, fixados todos sob suas folhas. Além disso, mil fantasmas monstruosos de animais selvagens e variados aí se encontram, como os Centauros, Górgonas, Harpias e Cilas biformes.
Aí inicia o caminho para o Aqueronte[1] do Tártaro[2]: é um golfo que borbulha, vasto abismo de lodo que referve e vomita todo seu limo no Cocito. Um barqueiro horrendo guarda essas águas e rios, Caronte, de terrível sujidade, cuja barba abundante, branca e mal tratada, lhe cai do queixo; seus olhos cheios de chamas são fixos; pende-lhe das espáduas o sórdido manto amarrado com um nó. Por meio de uma vara impele a embarcação, dirige-a com a vela e transporta os corpos na barca cor de ferrugem; já é idoso, mas sua velhice é sólida e vigorosa como a de um deus.
Uma multidão ali espalhada corria para a margem, pedindo-lhe para atravessar e atingir a outra margem. Enéias espantado com o tumulto pergunta à Sibila o que pedem tão desesperadamente aquelas almas. Ela responde-lhe que aqueles são os que ficaram sem sepultura e os que são conduzidos por Caronte são os que foram sepultados.
Entre os insepultos, Enéias vê Leucáspide e o chefe da armada lícia, Orontes, que haviam partido de Tróia com ele e sucumbiram aos mares tempestuosos. Logo, aproxima-se o piloto Palinuro, que na travessia do mar da Líbia, caíra da popa enquanto observava as constelações, e havia desaparecido no seio das ondas.
Ao ver a Sibila e Enéias, Carionte, contrariado os repreende. A sacerdotisa conta-lhe que a única intenção de Enéias é encontrar seu pai, entre as sombras profundas do Érebo[3], mostrando-lhe também o ramo sagrado. O barqueiro, admirado, aproxima a barca da praia, afasta as outras almas e transporta, sãos e salvos, até a outra margem, a sacerdotisa e o guerreiro.
Lá estão os reinos que o terrível Cérbero abala com o ladrar da sua tríplice goela; o monstro está deitado no antro, em frente da margem. A sacerdotisa, vendo já seu pescoço se eriçar de serpentes, lança-lhe um bolo soporífero composto de mel e de grãos preparados; o animal, com fome devoradora, abre suas três goelas e engole o que lhe lançam, estende-se no solo e com seus costados imensos enche todo o antro. Enéias apressa-se em transpor a entrada, enquanto o guardião está sepulto no sono, e se afasta rapidamente da margem de onda irremeável.

Ouvem vozes e percebem almas infantis. Perto delas, os inocentes que forma condenados a morte por erro. Aí, Minos convoca a Assembléia dos Silenciosos, que inquire da vida e dos crimes de cada um. Depois, ao lado, estão os que tiraram a própria vida. O destino a isso se opõe, e o pântano odioso de onda triste os prende e o Estige, dividido em nove braços os aprisiona. Não longe dali se estendem por todos os lados os campos das Lágrimas. Lá estão os que um duro amor devorou. Nestes campos, Enéias encontra a fenícia Dido pela última vez.
Dali continua o caminho que lhe foi determinado. Atinge os campos mais recuados, que, separados, freqüentam os varões ilustres na guerra. Lá encontrou Tideu, Partenopeu, Adrasto, entre outros guerreiros.
Continuando sua jornada, chegam ao local onde o caminho se bifurca: o caminho à direita é o que vai dar nas muralhas do grande Dite; é o caminho dos Elíseos, é o nosso; mas o caminho à esquerda conduz ao Tártaro ímpio, onde os maus são punidos. Enéias vira-se para a esquerda e vê ao pé de um rochedo, largas muralhas circundadas por tríplice muro. Um rio rápido, o Flegentonte do Tártaro, as rodeia com chamas torrenciais e rola retumbantes rochedos. Em frente uma enorme porta e colunas de sólido diamante que nenhuma força é capaz de derrubar. Uma torre de ferro se ergue nos ares, e Tísifone aí vigia, com a veste ensangüentada guarda o vestíbulo dia e noite sem dormir. Dali se ouvem gemidos, terríveis chicotadas, o ruído estridente do ferro e o arrastar das cadeias.
Prosseguem pelo caminho à direita e chegam às portas com a abóbada fronteira, onde fixam o ramo de ouro. Passam então a caminhar pelas ridentes paragens, frescos vergéis de árvores deliciosas – a habitação dos bem-aventurados. Lá encontra os grandes heróis e guerreiros fundadores de Tróia e, finalmente, encontra seu pai, que lhe apresenta toda a estirpe de descendentes que trarão a grandeza e a glória para o Império Romano.

[1] Segundo a mitologia Aqueronte é um dos rios do Inferno.
[2] Em latim, Tartaru, “o lugar mais profundo do Inferno”.
[3] O Érebo corresponde na mitologia a região situada abaixo da Terra e acima do Inferno
Quadro: A barca de Dante - Delacroix, Museu do Louvre - Paris

sábado, 2 de maio de 2009

ARGONAUTAS DO PACÍFICO OCIDENTAL

O autor relata a sua estadia em ilhas povoadas por nativos, que ficam perto da Austrália, em três expedições: 1914-1915 (8 meses), 1915-1916 (1 ano) e 1917-1918 (1 ano). O grande tema do livro é o “Kula”, que é o sistema primitivo de comércio empregado pelos nativos que navegam no mar em embarcações de fabricação própria.
Inicialmente, há uma descrição de como foi realizada a coleta de dados: através de observações próprias, informantes pagos (eu diria, subornados com fumo) e entrevista direta (ao longo do tempo o autor assimilou o idioma nativo).
No capítulo I, vimos como é a região, e os habitantes. O sistema é matrilinear, ou seja, “Descendência, herança e posição social seguem a linha feminina”. Diferentes ilhas possuem indivíduos com características também diferentes; enquanto uma ilha tem agricultores, outra tem fabricantes de utensílios, existe até uma ilha de canibais, entre outras mais exóticas.
O capítulo II remete o leitor às Ilhas Trobriand, ilhas do norte (Boyowa faz parte delas), onde os homens se dedicam às lavouras e as mulheres são mais receptivas do que por exemplo nas ilhas Amphlett. Em geral, existe uma profunda crença na magia (pronunciamento de ditados mágicos secretos acompanhados de ritos) como causadora do bem e do mal, do casamento e da morte.
Então no capítulo III, é descrito o que e como é feito o Kula. É um grande sistema de expedições marítmas, feitas em círculos percorrendo todas as ilhas com tribos pertencentes ao sistema, e a cada visita, trocam-se presentes entre os homens que visitam e os habitantes da aldeia visitada. Mulheres não participam de expedições Kula. Os ítens considerados de valor, o que poderia ser comparado ao ouro e pedras preciosas do mundo civilizado são colares e braceletes, fabricados com corais por certos nativos. As transações são feitas sempre entre dois parceiros Kula, de duração vitalícia, e a regra é: se é dado um presente de alto valor, um (ou vários) presente de valor equivalente terá de ser dado de volta, não interessando se será no próximo minuto, na próxima hora ou no próximo ano.
Vemos no capítulo IV como feitas as canoas de navegação marítma, masawa. Basicamente é um trabalho comunitário; tem um líder que é o dono da canoa, Toliwaga, e os trabalhadores recebem no final do serviço, alimentos e presentes como pagamento. A fabricação, desde o corte da árvore, passando pelo corte do tronco para ficar oco, atadura das partes e pintura é amparada pela magia, que é o papel de um feiticeiro nomeado pelo Toliwaga.
No capítulo V, há um detalhamento dos passos descritos no capítulo IV, muitos encantamentos mágicos são transcritos pro nosso idioma, algo que depende muito da magia é a velocidade da canoa, praticamentes todos os encantamentos se preocupam na fabricação de uma canoa que seja veloz.
O capítulo VI começa descrevendo uma cerimônia de lançamento de uma masawa recém-fabricada, que é presenciada por todos os habitantes da aldeia, e o pagamento feito aos trabalhadores. Depois fala-se sobre inúmeras formas de pagamento/troca por produtos/serviços, incluindo a passagem da herança da mãe para os filhos, etc. Convém notar que existe o acúmulo de riqueza através dos celeiros, que ficam recheados de inhames, alguns por tanto tempo que chegam até mesmo a apodrecer, principalmente nos celeiros dos chefes tribais, que costumam ser os mais recheados.
O breve capítulo VII deixa para o leitor a transcrição de alguns encantamentos que antecedem a partida das canoas, os argonautas despedem-se das mulheres, que ficam e recebem encantamentos para não receberem visitas de homens de fora, pois em caso de adultério a canoa do esposo fica “lenta”.
Capítulo VIII: a expedição para num banco de areia Buwa. Dura apenas um dia e uma noite, para descansar e se acostumar com a ausência dos que ficaram na aldeia. No meio-dia existe uma cerimônia de distribuição de alimentos.
IX: finalmente a expedição viaja. Conversam sobre uma ilha habitada apenas por mulheres, de onde poucos homens voltam com vida quando lá se aventuram, um polvo gigante do tamanho de uma canoa que fica ameaçando engolir todos vivos até que jogam uma criança na sua boca em sacrifício, e pedras vivas, que perseguem canoas e saltam do mar, acertando e quebrando-as.
X: acredita-se em bruxas voadoras que podem ficar invisíveis e se transformar em bichos, como pássaros e morcegos, as “mulukwausi”, que percebem a longa distância quando alguém morre e atacam a noite, se alimentando do cadáver. Os males causados por elas podem ser prevenidos com encantamentos, e remediados. À noite, embarcações sofrem risco de ataques.
XI: nas Ilhas Amphlett, rochosas e montanhosas, examina-se a sociologia do Kula, os tripulantes, que vieram de Boyowa, não se envolvem com as mulheres dali, o Kula só pode ser praticado por homens que já passaram pela adolescência, investiga-se de onde vem o barro do qual são feitos os resistentes potes (mulheres são encarregadas nesta tarefa): são importados de uma outra ilha, mas conta a lenda que antigamente vinha do topo de uma montanha até os dois homens que extraíam o barro de lá brigaram e um fugiu levando todo o barro embora.
XII: existem diversos mitos que permeiam o Kula, os antigos contam a origem do homem: os primeiros humanos vieram de dentro da terra. Outros mitos falam de uma homem que possuía poderes sobrenaturais e os outros o invejavam, e fizeram de tudo para matá-lo, sem sucesso. Outro, conta sobre como um feiticeiro fez uma canoa voadora e chegou ao destino antes de seus colegas de aldeia, mesmo tendo partido um dia depois deles. Ele foi morto e a receita completa de como fazer uma canoa voadora se perdeu, uma explicação para o fato dos nativos de Dobu praticarem canibalismo, e o fato dos conhecimentos sobre certas magias pertencerem a determinados “clãs totêmicos”.
XIII: finalmente chegamos ao destino final da expedição: a praia de Sarubwoyna. As canoas de expediçõesde todas as ilhas estão reunidas, com cerca de 40 delas, vários ritos mágicos são encenados, existência de um mito sobre o latido dos cachorros durante as refeições.
XIV: estamos na ilha de Dobu (habitantes canibais!) e o autor explicou o “rito de boas vindas” que se baseia em agressões, e como o Toliwaga (dono da canoa, masawa) se prepara para descer da canoa e receber os presentes, alguns pormenores dos procedimentos de entrega e recepção de presentes Kula, intermediação com fins lucrativos e as diferentes hierarquias de presentes Kula: basi, kudu, pokala, gimwali, talo’i, …
XV: estamos já na viagem de volta. Mas antes da partida, tem-se que aproveitar e catar umas conchas spongylus, que existem no coral dali, e servem de matéria-prima para a fabricação de colares, inclusive os que são usado como moeda-corrente no Kula. E vamos navegando, pausando num banco de areia onde as conchas são estendidas na praia e os chefes ficam com as maiores quantias. No retorno à ilha natal, as esposas estão interessadas nos alimentos trazidos nas canoas, principalmente sagu.
XVI: na ilha de Sinaketa recebemos a visita de retribuição dos habitantes de Dobu, aguardada ansiosamente pelos nativos. Três dias de transações Kula se efetuam com os nativos de Dobu fornecendo, entre outras coisas, sagu e, os de Sinaketa, carne (porco), todas antecedida pelo toque sonoro de búzios. No quarto dia as canoas partem, uma a uma, de volta. A permanência de um branco (o autor do livro) entre os nativos os incomodou (um pouco) e não apareceram mulheres na praia.
XVII: neste longo capítulo, uma ênfase na magia dos nativos, que segundo sua mentalidade, rege tudo, desde os interesses sociais, como fertilidade na agricultura e construção de canoas que sejam velozes, passando por sucesso sexual, a chuva, a direção do vento, proteção contra as nefastas mulukwausi e outros seres malignos, a doença, salvo casos de mal-estares passageiros, também é causada pela magia e outras desgraças, como perda da esposa, morte, e demais maldições são todas por culpa da magia. Logo em seguida tenta-se rastrear as raízes etnográficas da magia, mas isto não é tarefa fácil, pois jamais um nativo responderia a esta pergunta diretamente, ou escreveria uma dissertação sobre o assunto, encantamentos não são transmitidos por espíritos através de sonhos, mas surgem do fundo da terra, por exemplo. Diversos tipos de encantamentos: pronunciados sem ritos, acompanhados por ritos de impregnação, por ritos de transferência, e encantamentos acompanhados por oferendas e invocações. Onde fica armazenado a recordação dos encantamentos: na barriga. Pormenores de algumas magias. Enfim, a magia se dá nos objetos (ou eventos da natureza) pela repetição dos encantamentos, até o objeto se modificar da forma desejada.
XVIII: pesquisa-se sobre a origem das palavras nos encantamentos e descobre-se que apesar de ter frases centrais de origem arcaica, muitas palavras são adicionadas aos encantamentos ao longo das gerações, é fornecida a transcrição e tradução do encantamento Wayugo como exemplo. Vemos outra transcrição de um encantamento Kula, e analisa-se palavra por palavra, pelo aspecto principalmente fonético, algumas palavras não tem significado no mundo real, são as “palavras mágicas”. Outras transcrições, e duas explicações diferentes para o significado da palavra visi’una, segundo dois informantes.
XIX: O Kula interior – como funciona o “Kula interior”, que é realizado dentro das ilhas Trobriand, e a perda do poder pelos chefes tribais devido à exploração comercial dos nativos pelo mundo civilizado, onde obtém-se pérolas em troca de fumo, noz de areca etc. os casamentos intertribais, que são feitos pelas classes abastadas, entre homens de Sinaketa e mulheres de Kiriwina. Inédita realização do Kula entre duas mulheres: ambas esposas do chefe tribal. Os dois tipos de Kula interior: entre duas aldeias unidas por terra, e dentro de uma mesma comunidade .
XX: Expedições entre Kiriwina e Kitava – as trocas entre estas duas ilhas não são tão necessárias quanto às entre Sinaketa e Dobu, já que as duas ilhas possuem praticamente as mesmas características, atividades econômicas, produtos, embora as transações sigam todas as normas do Kula. O escândalo quando um filho do chefe da aldeia visitante é pego em adultério com uma das mulheres mais jovens do chefe da tribo anfitriã, a forma violenta de se presentear uma família com porcos.
XXI: As divisões restantes do Kula e suas ramificações – conexões da ilha Tubetube com Murua (denominação dos habitantes de Tubetube da ilha Woodlark), Normandby e outras, o uso de canoas maiores para viagens em alto-mar, a absorção destes nativos pela indústria da pérola, rotas de troca entre Kavataria, Kayleula, e demais ilhas.
XXII: O significado do Kula – finalizando, algumas observações sobre o Kula, o fato dos nativos se apegarem aos presentes não de uma forma como nós ocidentais nos apegamos à riqueza, mas de uma forma de “adoração religiosa”, outras disgressões, e uma reflexão sobre o papel da etnologia perante aos grandes conflitos mundiais, como exemplo a I Guerra Mundial, que acontecia nos anos em que a presente pesquisa era vivenciada e registrada neste arquipélago.
REFERÊNCIA:
MALINOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné melanésia. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978

sexta-feira, 1 de maio de 2009

OS REMÉDIOS DO AMOR

Se alguém ama e este amor lhe dá prazer, goze feliz dessa paixão e navegue a favor do vento. Mas se padece as imposições de uma garota ingrata, prove, para que não pereça, a assistência da nossa arte[1]. Tão comuns em seu tempo, a morte daqueles que sofrem por amor permeia de forma generalizada as histórias de deuses e mortais. Sobreviver às loucuras do amor de forma racional é a grande meta a ser atingida.
Grande gênio da literatura latina, Ovídio traz em sua obra Os remédios do amor uma espécie de receituário dirigido àqueles que sofrem por amor. O próprio título já deixa clara a sua intenção: a cura para os desenganos do amor. Ou nas palavras do próprio poeta: o proveito que se busca é apagar as cruéis chamas e não deixar o coração escravo de seu mal[2].
Ovídio acredita que quanto mais cedo previna-se os males do amor, mais facilmente apagar-se-ão as marcas por ele deixadas n’alma dos amantes, afinal todo amor promete sempre e encontra alimento na demora[3]. As feridas que são facilmente curáveis no início tendem-se a agravar com o passar do tempo, tornando a tarefa mais árdua.
Desta forma, vai enumerando uma série de conselhos, ou argumentos, em favor daqueles que desejam livrar-se deste mal da forma mais racional possível, sempre lembrando que amor e sofrimento estão unidos de forma indelével. Assim, em primeiro lugar Ovídio aconselha que evite-se a ociosidade, pois ela é causa e alimento desse mal gostoso[4]. Aquele que sofre por amor pode então ocupar suas mente com o trabalho, o cultivo da terra, a caça ou a criação de animais. Se ainda assim, não puder manter o pensamento longe de sua amada, deve partir, por mais fortes que sejam os laços que o prendam.
Se por algum motivo não puder fugir, não use de poções e malefícios para curar-te, recomenda Ovídio. A melhor maneira de esquecer os encantos da amada é pensar nos seus defeitos, aumenta-los, somente a eles contemplar. Esquecer suas qualidades, sua doçura, sua beleza. Procurar flagrá-la nos momentos em que não espera ser vista: despenteada, desalinhada. E, quando finalmente for entregar-se aos prazeres de seu leito, para que os prazeres de tua amiga não te fascinem, se os enfrentares de corpo inteiro, gostaria que entrasses em comércio com uma outra mulher: uma mulher qualquer que encontrasses, para nela descarregar tua volúpia primeira. Conselhos deste tipo, combinado com outros como ter mais de uma amante, apoiado no argumento de que quando o coração dividido ao meio, corre de um e outro lado, um amor priva o outro de sua força[5], são o verdadeiro reflexo das relações e costumes que imperavam na sociedade romana da época.
Enganar a si mesmo, criar desconfianças, são atitudes que em conjunto com as outras anteriormente citadas são de grande valia para esquecer e acabar com o amor que te faz sofrer. No entanto, deve-se evitar a solidão: estar com os amigos, freqüentar os ambientes sociais, são uma boa forma de manter o pensamento distante de quem causou teu sofrimento. E sobretudo, evitar o contato com amantes apaixonados, pois o amor infiltra-se às escondidas, se não te afastas de quem ama[6].
Toda a obra é deliciosamente permeada com os mais variados exemplos de amantes e seus sofrimentos, presentes na mitologia greco-latina. Além de grande extensão cultural e passagens divertidíssimas, consideradas um contra-senso nos dias de hoje, este “pequeno grande manual” não perdeu sua atualidade. Passam-se os séculos os seres humanos continuam matando e morrendo, cometendo as mais diversas loucuras em nome do amor. Para tanto basta conferir-se a enorme quantidade de crimes passionais freqüentemente relatados pelos meios de comunicação. Apesar de determinadas divergências culturais, como já foi anteriormente assinalado, Ovídio ainda hoje seria um grande professor do emprego da racionalidade nas relações sentimentais.
No mais, ainda há de admitir-se que o amor será sempre um motivo sublime: sempre inspirou as mais belas canções e histórias. Sofrer por amor? Morrer de tanto amar? Quem não haverá de admitir o quão importante sua existência se faz em nossas vidas? Afinal, nada é mais belo e cruel ao mesmo tempo, daí extrai-se o seu fascínio.

NOTAS:
[1] Ovídio (1994, p. 25). OVÍDIO. Os remédios do amor. Trad. Antônio da Silveira Mendonça. São Paulo: Nova Alexandria, 1994.
[2] Op. Cit., p.27.
[3] Op. Cit. p.33.
[4] Idem, p. 35: Quando qualifica o amor como um mal gostoso Ovídio deixa clara a necessidade da racionalidade nas relações que o envolvem, pois assim como pode trazer prazer e felicidade, pode também ser motivo de frustração e desenganos para os amantes, chegando ao ponto de leva-los a cometer verdadeiras loucuras.
[5] Idem, p.59
[6] Idem, p. 73.

A SÁTIRA DA VIDA FELIZ: estoicismo e epicurismo na cultura latina

Sêneca traz em “A Vida Feliz” uma expressiva reflexão sobre as doutrinas filosóficas mais importantes da Roma Antiga. Contrapõe em sua obra o estoicismo de Zenon e o Epicurismo, doutrina fundada por Epicuro. Grosso modo, pode-se dizer que a proposta da primeira era chegar-se à felicidade através da obtenção, por meio da virtude, de um perfeito equilíbrio interior capaz de fazer o homem aceitar com a mesma serenidade a dor e o prazer, a ventura e o infortúnio e a da segunda, que a felicidade humana estava na busca do prazer.
Na apresentação que faz da obra de Sêneca, Diderot afirma que o estoicismo não é senão um tratado sobre a liberdade entendida na plenitude de sua significação[1]. Segundo os estóicos, o homem feliz é aquele que vive segundo a natureza, para quem não há bem maior do que a virtude nem mal pior que o vício e, o mais importante: o homem não deve tornar-se um escravo do prazer.
De todos os prazeres o mais doce é aquele que nasce da virtude[2]. A virtude defendida por Epicuro é a do homem do mundo, sujeito a erros e acertos, falho, por sua própria natureza. No entanto, percebe-se que, na prática, sua doutrina foi desvirtuada pela vida amoral do cidadão romano. Para evitar a infâmia que mereciam por seus costumes depravados, os efeminados, pervertidos e os corruptos se disseram discípulos do prazer; e eram de fato; mas tratava-se de seus próprios prazeres, não dos de Epicuro[3].
A amoralidade dos costumes romanos, a busca incansável pelo prazer, de maneira hedonista, foram perfeitamente relatados por Petrônio, na obra Satyricon. Narrando as aventuras de três jovens – Encólpio, Ascilto e Gitão – o autor traça um panorama da vida e da cultura romana, descrevendo as orgias e os grandes banquetes, tão comuns na Roma Antiga.
A obra de Sêneca é destinada a seu irmão Gallione, e assemelha-se a um pequeno manual sobre a busca da felicidade que inicia afirmando que esta é meta de todos, mas que o caminho é árduo. Entre os males que afastam o homem do caminho da felicidade, Sêneca destaca a multidão, a sociedade. Nada é pior do que escutar a fala da sociedade, -considerando justo o que a maioria aprova, e imitar o modelo do comportamento da massa, vivendo não segundo a razão, mas pelo conformismo. Para o filósofo, a maioria induz ao erro e propaga-o, pois as pessoas que preferem aceitar a opinião alheia a pensar pelas próprias idéias limitam-se a crer antes de avaliar, forma pela qual o erro é transmitido de mão em mão.
Os estóicos seguem a natureza, obedecendo a seus exemplos e leis. A vida feliz é, pois, aquela adequada à natureza e alcançável em primeiro lugar pelo espírito sadio e perpétuo possuidor desta saúde; em segundo lugar pelo espírito forte, vigoroso e além de tudo paciente e apto a resistir a todas as provações, solícito aos cuidados do corpo, dedicado a procurar outras benesses que alegram a vida, sem inebrios, gozando os dons da fortuna sem escravizar-se a ela[4].
Para Sêneca, o homem feliz é aquele dotado de reto juízo, que se contenta com seu estado e condição, qualquer que seja, e aprecia o que é de sua posse. Enfim, é feliz quem confia à razão a gerência de toda a sua vida. Aqueles que colocam a felicidade nos prazeres, logo se dão conta de seu erro. O prazer é baixo e servil, débil e fugaz, sua sede e morada são os prostíbulos e tabernas. Petrônio deixa claro o quanto era aceitável para os romanos confundir felicidade e prazer, e pode ser ilustrada com a seguinte passagem de sua obra:
Depois de havê-lo procurado em todos os quarteirões da cidade, voltei para casa e consolei-me nos braços de Gitão. Enlacei-o com os mais calorosos abraços. Minha felicidade, igual a meus desejos, era realmente digna de inveja.[5]
Para Sêneca, a vida deve ser orientada pela virtude. Nenhum prazer pode contrapor-se á previdência, grandeza, saúde moral, liberdade, harmonia, beleza...Por que falar-me em prazer? Eu busco o bem do homem, não o do estômago, como é provável ocorrer nos animais e nas bestas incapazes.
A esta crítica de Sêneca, convém lembrarmo-nos da descrição do banquete oferecido por Trimálquio, que ocupa cerca de cinqüenta capítulos do Satyricon, na qual Petrônio satiriza os costumes da época.
Entrementes, trouxeram o primeiro prato, que não podia ser mais maravilhoso. Todos já se achavam à mesa, com exceção de Trimálquio, a quem – contra os costumes – não se tinha reservado o lugar de honra. [...] Havia bandejas em forma de pontes, contendo coelhos temperados com mel e papoula. Um pouco além, salsichas bem tostadas, numa grelha de prata. E sob a grelha, ameixas sírias e polpas de romã[6].
Petrônio prossegue descrevendo todos os exageros e extravagâncias do banquete, evidenciados na cena em que o cozinheiro abre o ventre de um enorme porco, do qual jorram salsichas e morcelas em imensa quantidade.
O homem envolto na lascívia, imoral e ébrio, sabe que vive com o prazer, mas crê viver com a virtude. [...] Esses não prezam o prazer de Epicuro posto que este é sóbrio e austero, mas enlevam-se pelo nome, buscando um pretexto que acoberta suas paixões. [...] Epicuro apregoa que o prazer obedeça à natureza, mas é muito insuficiente para a luxúria o que basta para a natureza[7].
Logo no início do Satyricon, Petrônio faz uma interessante descrição do prostíbulo ao qual Encólpio é levado por uma velha senhora e onde encontra Ascilto. Demonstra com presteza toda a luxúria a qual Sêneca se refere e salienta a questão da servidão ao prazer.
[...] A tentação nos venceu e, seguindo nossos guias, atravessamos várias salas, teatros lúbricos dos jogos da volúpia. A julgar pelo furor dos combatentes, dir-se-ia que estavam embriagados de satírio. Vendo nosso aspecto, eles repetiam as posturas lascivas, para nos levar a imitá-los. De repente, um deles levantou as vestes até a cintura e, atirando-se sobre Ascilto, lançou-o sobre um leito próximo, tentando violentá-lo.
É importante ressaltar-se ainda, o papel da riqueza para a busca da felicidade. Para os estóicos, a riqueza pouco significa, pois o importante é viver segundo a natureza. Sêneca afirma que a riqueza é serva na casa do sábio e senhora na casa do néscio[8]. Assim, aqueles que vivem em busca do prazer, além de gananciosos, fazem da riqueza um meio para atingir seu objetivo egoísta de prazer desmedido. A riqueza torna-se tudo e dela, fazem-se escravos.
Na sua ânsia de riqueza e prazer, os jovens personagens de Petrônio envolvem-se nas mais complicadas situações, como quando furtam pertences de Licas: Apenas Gitão percebeu as minhas manobras; procurou então, livrar-se dos guardas e encontrou-se logo depois comigo. Quando ele chegou, mostrei-lhe o que tinha roubado e resolvemos imediatamente ir ao encontro de Ascilto[9].
Enfim, percebe-se que a vida cultural da Roma Antiga está profundamente ligada a condutas hedonistas que pouco se assemelham ao Epicurismo. A doutrina de Epicuro além de desvirtuada, transforma-se num discurso que justifica as práticas adotadas pela sociedade, como a libidinagem, as orgias e os grandes banquetes. Práticas incentivadas e legitimadas pelo poder do Império e que, em última análise, não deixavam de ser uma válvula de escape para as tensões sociais, assim como a política do pão e do circo.



Notas:

[1] Sêneca (1991, p.12)
[2] Op. Cit., p. 14.
[3] Op. Cit., p. 15.
[4] Sêneca, Op. Cit., p. 27.
[5] Petrônio (1981, p. 14).
[6] Petrônio, Op. Cit, p.44
[7] Sêneca, Op. Cit., p. 39-40.
[8] Idem, p. 62.
[9] Petrônio, Op. Cit. p. 18.

Referências:

PETRÔNIO. Satyricon. São Paulo: Abril Cultural, 1981.
SÊNECA. A Vida Feliz. Campinas: Pontes, 1991.