sábado, 3 de abril de 2010

O indio na estante

Sexta feira, enquanto passava apressada pelo calçadão da rua Felipe Schmidt, em meio a multidão frenética que ansiava pelo final de semana, deparei-me com um velho índio, fumando cachimbo, sentado na calçada. O índio parecia ignorar a agitação da cidade, sentado no passeio público sobre uma manta colorida, na qual expusera alguns pequenos objetos artesanais ao lado de uma velha caixa de sapatos com alguns trocados dentro.


Dificilmente tal personagem despertaria minha atenção, mas naquele dia sua presença tocou-me de maneira diferente. Eu estava envolvida pela leitura de algumas obras e discussões que fazíamos no curso de mestrado. Havia recentemente terminado a leitura de América Profunda, do argentino Rodolfo Kush e no momento estava lendo a obra de Richard Morse, o Espelho de Próspero, que trata das raízes filosóficas que estão na base da formação de uma América ibérica. Talvez tanta leitura e discussão sobre nossas origens culturais e filosóficas tenha feito com que eu enfim compreendesse a importância do contexto no qual estamos inseridos.

Mas voltemos ao índio. Causou-me uma sensação perturbadora perceber que estava parada a observá-lo. O olhar distante e frio do índio me desafiava. Era como se para ele estivessem ali, novamente frente a frente, colonizador e colonizado e que eu, representava a destruição de seus antepassados, de sua terra, de sua cultura. O que ele não entendia é que eu, naquele momento, também me sentia um ser sem identidade definida, sem raízes culturais sólidas, produto da mesmo choque destrutivo que ele sofrera.

Aproximei-me do velho índio e apontei um pequeno objeto de cerâmica decorada. Ele fez um sinal com as mão indicando que a peça custava dez reais. Entreguei o dinheiro e levei para casa minha aquisição, sem nada dizer.

Desde então todo vez que reflito sobre os malditos, os vencidos, os excluídos da história, lembro daquele souvenir na estante da sala, o qual contemplo como quem mira a própria imagem no espelho.