quinta-feira, 28 de maio de 2009

OLAVO BILAC

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.

terça-feira, 26 de maio de 2009

O FIM



E ela finalmente decidira-se. Levantou-se cedo. Limpou e arrumou toda a casa. Desfez-se de alguns papéis velhos e sem importância. Banhou-se demoradamente. Perfumou-se e penteou os longos cabelos ruivos, amarrando-os com uma fita. Dançou descalça pela casa, entoando uma canção antiga. E com doçura angelical, atirou-se da janela do décimo segundo andar. Pairou triunfante, com suas imensas asas, sobre a multidão que se aglomerava a observar o corpo ensangüentado estendido na calçada.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

EM BREVE - MOSTRA INDIVIDUAL KAZZUO WATANABE

Clique na figura para ampliar

I SIMPÓSIO DE DIREITO AMBIENTAL DA FESSC: OCÓDIGO AMBIENTAL CATARINENSE EM DEBATE


O LAGO

Narciso - Caravaggio



Começara sem grande importância. Toda a tarde sentava-se a apreciar as luzes e cores que ele refletia. Passou então a atentar aos aromas e ao odor que dele emanava. Logo se percebeu inebriada com tantas sensações. Queria tocá-lo, senti-lo em sua pele nua. Devorá-lo até que nada restasse. Ouvia seus murmúrios, seus lamentos. Nada a impediria. Despiu-se. Correu lânguida ao seu encontro. O sol aquecia seu corpo nu. A relva acariciava seus pés. Enlouquecida, atirou-se sobre ele. Morreu feliz, afogada no lago.

domingo, 24 de maio de 2009

UM MUNDO PARA SOPHIE



Em breve você irá caminhar...primeiro com dificuldade

Mas logo, a passos largos começará a construir seu próprio mundo
Provavelmente diferente do meu...

Minha realidade...tão diversa daquela que sonhei quando criança

Mas quantos de nós são verdadeiramente capazes de realizar seus sonhos infantis?
E quantos conservam o mesmo entusiasmo da juventude?
Sophie...sofia...sabedoria...escolhi teu nome por amor...
Meta inalcançável... Meu objetivo inatingível...
Quiçá consiga em você despertar a mesma paixão pela qual fui acometida...
E possa impregnar-te do mesmo anseio voraz,
Capaz de te fazer passar noites em claro devorando livros
Que te levará a aventurar-se em discussões filosóficas mil
Mas ainda que o persigas com a mesma fúria alucinada
Jamais o terás em sua plenitude
Mas que cada ínfimo dele com o que te depares torne-te melhor
Mais lúcida, mais hábil
E que isto torne teu mundo melhor...
E que isto torne teu mundo feliz.

MOMENTO DE PARTIR

Caravaggio - Penitent Magdalene, 1597

Enfim chegara a hora...Ergueu cuidadosamente o pequeno embrulho. Fizera questão de acondicioná-lo minuciosamente na noite anterior. Colocara-o dentro de uma caixinha de vidro transparente e embrulhara-o como se fora um presente. Ornamentou-o com uma fita de cetim carmim, esmaecida por suas lágrimas. Jogou nos ombros a mochila onde guardara seus sonhos e atravessou a sala de seus desatinos, fechando atrás de si a porta daquele lugar chamado destino. Carregava nas mãos o embrulho onde guardara seu coração partido.

sábado, 23 de maio de 2009

Viagem ao mundo dos mortos de Virgílio

Chegando a Cumas, Enéias desembarca na praia Hespéria com sua frota. É lá que fica o retiro afastado da Sibila temível, antro monstruoso onde o profeta de Delos lhe inspira a alma e lhe descobre o porvir. Enéias e seus companheiros já penetravam no bosque, quando Acates, que havia sido mandado na frente, apresenta-se juntamente com a sacerdotisa de Febo e de Trívia, Deífobe, que sugere que sejam oferecidos os sacrifícios de costume.
O templo no qual encontram-se as respostas da Sibila assemelha-se a uma caverna, onde cem entradas largas conduzem a cem portas, das quais saem outras tantas vozes, respostas da sibila. À entrada da porta a sacerdotisa, já possuída pelo sagrado furor, diz a Enéias que é tarde demais para que ele ofereça seus votos e preces. No entanto, as portas se abrem para o troiano.
Ansioso para saber que destino os deuses reservavam-lhe, Enéias oferece-se para construir um templo de mármore dedicado a Febo e a guardar nele seus oráculos. Pede ainda a sacerdotisa que ela o deixe ir ao reino de Hades, onde deseja encontrar seu pai e com ele conversar:
Não te peço senão uma coisa: visto que é aqui, diz-se, a porta do rei dos Infernos e o tenebroso pântano para onde reflui o Aqueronte, que me seja lícito ir ver meu pai querido e com ele praticar; ensina-me o caminho e abre-me as portas sagradas.

A sacerdotisa avisa-lhe que as portas do sombrio Dite estão abertas noite e dia, mas poucos mortais puderam retornar.
Florestas ocupam todo o espaço intermediário e o Cocito no seu curso, o rodeia com negro circuito. Se tens tão grande desejo, tão grande avidez de atravessar duas vezes o negro Tártaro, e se te apraz tentar tão louca empresa, ouve primeiramente as coisas que devem ser feitas.
A sacerdotisa avisa a Enéias que ele deve encontrar escondido no bosque uma árvore que produz um ramo de ouro, sem o qual não lhe será permitido penetrar nas profundezas da terra. Avisa-o ainda, que um dos seus companheiros de frota jaz sem sepultura e que ele deve fecha-lo no sepulcro e oferecer os sacrifícios e oferendas necessários aos deuses.
Ao retornar a praia, Enéias encontra seu companheiro Miseno, morto com morte indigna e apressa-se a seguir as ordens da Sibila. Vai à antiga floresta e suplica: Oh! Se o ramo de ouro a nós se mostrasse sobre uma árvore, nesta tão grande floresta! Pois tudo o que disse a profetisa não era, ai de mim! Verdadeiro senão pra ti, ó Miseno!
Mal proferira estas palavras quando vê descer do céu duas pombas, que o herói logo reconhece como pertencentes a sua mãe. Pede-lhes que mostrem o caminho até o ramo sagrado e elas obedecem, voando ao alcance dos olhos do herói, até pousarem sobre uma árvore, onde o brilho do ouro, filtrando-se através dos ramos ofusca os olhos.
Enéias destaca o ramo e leva-o à morada da Sibila e passa a executar suas prescrições. Havia uma caverna profunda, monstruosamente talhada na rocha, com grande abertura, protegida por um negro lago e pelas trevas dos bosques. Lá realizam as preces e oferendas necessárias. Ao amanhecer, a sacerdotisa diz a Enéias que é o momento em que precisará dispor de toda a sua coragem. Penetram então no antro.
No próprio vestíbulo, à entrada das gargantas do Orco, o Luto e os Remorsos vingadores puseram seus leitos; lá habitam as pálidas Doenças e a triste Velhice, e o Temor, e a Fome, má conselheira, e a espantosa Pobreza, formas terríveis de se ver, e a Morte e o Sofrimento; depois o Sono, irmão da Morte, e as Alegrias perversas do espírito, e, no vestíbulo fronteiro, a Guerra mortífera, e os férreos tálamos das Eumênides, e a Discórdia insensata, com sua cabeleira de víboras, atada com fitas sangrentas.
No meio, um olmeiro opaco, enorme, estende seus ramos e seus galhos seculares, morada que freqüentam os Sonhos vãos, fixados todos sob suas folhas. Além disso, mil fantasmas monstruosos de animais selvagens e variados aí se encontram, como os Centauros, Górgonas, Harpias e Cilas biformes.
Aí inicia o caminho para o Aqueronte[1] do Tártaro[2]: é um golfo que borbulha, vasto abismo de lodo que referve e vomita todo seu limo no Cocito. Um barqueiro horrendo guarda essas águas e rios, Caronte, de terrível sujidade, cuja barba abundante, branca e mal tratada, lhe cai do queixo; seus olhos cheios de chamas são fixos; pende-lhe das espáduas o sórdido manto amarrado com um nó. Por meio de uma vara impele a embarcação, dirige-a com a vela e transporta os corpos na barca cor de ferrugem; já é idoso, mas sua velhice é sólida e vigorosa como a de um deus.
Uma multidão ali espalhada corria para a margem, pedindo-lhe para atravessar e atingir a outra margem. Enéias espantado com o tumulto pergunta à Sibila o que pedem tão desesperadamente aquelas almas. Ela responde-lhe que aqueles são os que ficaram sem sepultura e os que são conduzidos por Caronte são os que foram sepultados.
Entre os insepultos, Enéias vê Leucáspide e o chefe da armada lícia, Orontes, que haviam partido de Tróia com ele e sucumbiram aos mares tempestuosos. Logo, aproxima-se o piloto Palinuro, que na travessia do mar da Líbia, caíra da popa enquanto observava as constelações, e havia desaparecido no seio das ondas.
Ao ver a Sibila e Enéias, Carionte, contrariado os repreende. A sacerdotisa conta-lhe que a única intenção de Enéias é encontrar seu pai, entre as sombras profundas do Érebo[3], mostrando-lhe também o ramo sagrado. O barqueiro, admirado, aproxima a barca da praia, afasta as outras almas e transporta, sãos e salvos, até a outra margem, a sacerdotisa e o guerreiro.
Lá estão os reinos que o terrível Cérbero abala com o ladrar da sua tríplice goela; o monstro está deitado no antro, em frente da margem. A sacerdotisa, vendo já seu pescoço se eriçar de serpentes, lança-lhe um bolo soporífero composto de mel e de grãos preparados; o animal, com fome devoradora, abre suas três goelas e engole o que lhe lançam, estende-se no solo e com seus costados imensos enche todo o antro. Enéias apressa-se em transpor a entrada, enquanto o guardião está sepulto no sono, e se afasta rapidamente da margem de onda irremeável.

Ouvem vozes e percebem almas infantis. Perto delas, os inocentes que forma condenados a morte por erro. Aí, Minos convoca a Assembléia dos Silenciosos, que inquire da vida e dos crimes de cada um. Depois, ao lado, estão os que tiraram a própria vida. O destino a isso se opõe, e o pântano odioso de onda triste os prende e o Estige, dividido em nove braços os aprisiona. Não longe dali se estendem por todos os lados os campos das Lágrimas. Lá estão os que um duro amor devorou. Nestes campos, Enéias encontra a fenícia Dido pela última vez.
Dali continua o caminho que lhe foi determinado. Atinge os campos mais recuados, que, separados, freqüentam os varões ilustres na guerra. Lá encontrou Tideu, Partenopeu, Adrasto, entre outros guerreiros.
Continuando sua jornada, chegam ao local onde o caminho se bifurca: o caminho à direita é o que vai dar nas muralhas do grande Dite; é o caminho dos Elíseos, é o nosso; mas o caminho à esquerda conduz ao Tártaro ímpio, onde os maus são punidos. Enéias vira-se para a esquerda e vê ao pé de um rochedo, largas muralhas circundadas por tríplice muro. Um rio rápido, o Flegentonte do Tártaro, as rodeia com chamas torrenciais e rola retumbantes rochedos. Em frente uma enorme porta e colunas de sólido diamante que nenhuma força é capaz de derrubar. Uma torre de ferro se ergue nos ares, e Tísifone aí vigia, com a veste ensangüentada guarda o vestíbulo dia e noite sem dormir. Dali se ouvem gemidos, terríveis chicotadas, o ruído estridente do ferro e o arrastar das cadeias.
Prosseguem pelo caminho à direita e chegam às portas com a abóbada fronteira, onde fixam o ramo de ouro. Passam então a caminhar pelas ridentes paragens, frescos vergéis de árvores deliciosas – a habitação dos bem-aventurados. Lá encontra os grandes heróis e guerreiros fundadores de Tróia e, finalmente, encontra seu pai, que lhe apresenta toda a estirpe de descendentes que trarão a grandeza e a glória para o Império Romano.

[1] Segundo a mitologia Aqueronte é um dos rios do Inferno.
[2] Em latim, Tartaru, “o lugar mais profundo do Inferno”.
[3] O Érebo corresponde na mitologia a região situada abaixo da Terra e acima do Inferno
Quadro: A barca de Dante - Delacroix, Museu do Louvre - Paris

sábado, 2 de maio de 2009

ARGONAUTAS DO PACÍFICO OCIDENTAL

O autor relata a sua estadia em ilhas povoadas por nativos, que ficam perto da Austrália, em três expedições: 1914-1915 (8 meses), 1915-1916 (1 ano) e 1917-1918 (1 ano). O grande tema do livro é o “Kula”, que é o sistema primitivo de comércio empregado pelos nativos que navegam no mar em embarcações de fabricação própria.
Inicialmente, há uma descrição de como foi realizada a coleta de dados: através de observações próprias, informantes pagos (eu diria, subornados com fumo) e entrevista direta (ao longo do tempo o autor assimilou o idioma nativo).
No capítulo I, vimos como é a região, e os habitantes. O sistema é matrilinear, ou seja, “Descendência, herança e posição social seguem a linha feminina”. Diferentes ilhas possuem indivíduos com características também diferentes; enquanto uma ilha tem agricultores, outra tem fabricantes de utensílios, existe até uma ilha de canibais, entre outras mais exóticas.
O capítulo II remete o leitor às Ilhas Trobriand, ilhas do norte (Boyowa faz parte delas), onde os homens se dedicam às lavouras e as mulheres são mais receptivas do que por exemplo nas ilhas Amphlett. Em geral, existe uma profunda crença na magia (pronunciamento de ditados mágicos secretos acompanhados de ritos) como causadora do bem e do mal, do casamento e da morte.
Então no capítulo III, é descrito o que e como é feito o Kula. É um grande sistema de expedições marítmas, feitas em círculos percorrendo todas as ilhas com tribos pertencentes ao sistema, e a cada visita, trocam-se presentes entre os homens que visitam e os habitantes da aldeia visitada. Mulheres não participam de expedições Kula. Os ítens considerados de valor, o que poderia ser comparado ao ouro e pedras preciosas do mundo civilizado são colares e braceletes, fabricados com corais por certos nativos. As transações são feitas sempre entre dois parceiros Kula, de duração vitalícia, e a regra é: se é dado um presente de alto valor, um (ou vários) presente de valor equivalente terá de ser dado de volta, não interessando se será no próximo minuto, na próxima hora ou no próximo ano.
Vemos no capítulo IV como feitas as canoas de navegação marítma, masawa. Basicamente é um trabalho comunitário; tem um líder que é o dono da canoa, Toliwaga, e os trabalhadores recebem no final do serviço, alimentos e presentes como pagamento. A fabricação, desde o corte da árvore, passando pelo corte do tronco para ficar oco, atadura das partes e pintura é amparada pela magia, que é o papel de um feiticeiro nomeado pelo Toliwaga.
No capítulo V, há um detalhamento dos passos descritos no capítulo IV, muitos encantamentos mágicos são transcritos pro nosso idioma, algo que depende muito da magia é a velocidade da canoa, praticamentes todos os encantamentos se preocupam na fabricação de uma canoa que seja veloz.
O capítulo VI começa descrevendo uma cerimônia de lançamento de uma masawa recém-fabricada, que é presenciada por todos os habitantes da aldeia, e o pagamento feito aos trabalhadores. Depois fala-se sobre inúmeras formas de pagamento/troca por produtos/serviços, incluindo a passagem da herança da mãe para os filhos, etc. Convém notar que existe o acúmulo de riqueza através dos celeiros, que ficam recheados de inhames, alguns por tanto tempo que chegam até mesmo a apodrecer, principalmente nos celeiros dos chefes tribais, que costumam ser os mais recheados.
O breve capítulo VII deixa para o leitor a transcrição de alguns encantamentos que antecedem a partida das canoas, os argonautas despedem-se das mulheres, que ficam e recebem encantamentos para não receberem visitas de homens de fora, pois em caso de adultério a canoa do esposo fica “lenta”.
Capítulo VIII: a expedição para num banco de areia Buwa. Dura apenas um dia e uma noite, para descansar e se acostumar com a ausência dos que ficaram na aldeia. No meio-dia existe uma cerimônia de distribuição de alimentos.
IX: finalmente a expedição viaja. Conversam sobre uma ilha habitada apenas por mulheres, de onde poucos homens voltam com vida quando lá se aventuram, um polvo gigante do tamanho de uma canoa que fica ameaçando engolir todos vivos até que jogam uma criança na sua boca em sacrifício, e pedras vivas, que perseguem canoas e saltam do mar, acertando e quebrando-as.
X: acredita-se em bruxas voadoras que podem ficar invisíveis e se transformar em bichos, como pássaros e morcegos, as “mulukwausi”, que percebem a longa distância quando alguém morre e atacam a noite, se alimentando do cadáver. Os males causados por elas podem ser prevenidos com encantamentos, e remediados. À noite, embarcações sofrem risco de ataques.
XI: nas Ilhas Amphlett, rochosas e montanhosas, examina-se a sociologia do Kula, os tripulantes, que vieram de Boyowa, não se envolvem com as mulheres dali, o Kula só pode ser praticado por homens que já passaram pela adolescência, investiga-se de onde vem o barro do qual são feitos os resistentes potes (mulheres são encarregadas nesta tarefa): são importados de uma outra ilha, mas conta a lenda que antigamente vinha do topo de uma montanha até os dois homens que extraíam o barro de lá brigaram e um fugiu levando todo o barro embora.
XII: existem diversos mitos que permeiam o Kula, os antigos contam a origem do homem: os primeiros humanos vieram de dentro da terra. Outros mitos falam de uma homem que possuía poderes sobrenaturais e os outros o invejavam, e fizeram de tudo para matá-lo, sem sucesso. Outro, conta sobre como um feiticeiro fez uma canoa voadora e chegou ao destino antes de seus colegas de aldeia, mesmo tendo partido um dia depois deles. Ele foi morto e a receita completa de como fazer uma canoa voadora se perdeu, uma explicação para o fato dos nativos de Dobu praticarem canibalismo, e o fato dos conhecimentos sobre certas magias pertencerem a determinados “clãs totêmicos”.
XIII: finalmente chegamos ao destino final da expedição: a praia de Sarubwoyna. As canoas de expediçõesde todas as ilhas estão reunidas, com cerca de 40 delas, vários ritos mágicos são encenados, existência de um mito sobre o latido dos cachorros durante as refeições.
XIV: estamos na ilha de Dobu (habitantes canibais!) e o autor explicou o “rito de boas vindas” que se baseia em agressões, e como o Toliwaga (dono da canoa, masawa) se prepara para descer da canoa e receber os presentes, alguns pormenores dos procedimentos de entrega e recepção de presentes Kula, intermediação com fins lucrativos e as diferentes hierarquias de presentes Kula: basi, kudu, pokala, gimwali, talo’i, …
XV: estamos já na viagem de volta. Mas antes da partida, tem-se que aproveitar e catar umas conchas spongylus, que existem no coral dali, e servem de matéria-prima para a fabricação de colares, inclusive os que são usado como moeda-corrente no Kula. E vamos navegando, pausando num banco de areia onde as conchas são estendidas na praia e os chefes ficam com as maiores quantias. No retorno à ilha natal, as esposas estão interessadas nos alimentos trazidos nas canoas, principalmente sagu.
XVI: na ilha de Sinaketa recebemos a visita de retribuição dos habitantes de Dobu, aguardada ansiosamente pelos nativos. Três dias de transações Kula se efetuam com os nativos de Dobu fornecendo, entre outras coisas, sagu e, os de Sinaketa, carne (porco), todas antecedida pelo toque sonoro de búzios. No quarto dia as canoas partem, uma a uma, de volta. A permanência de um branco (o autor do livro) entre os nativos os incomodou (um pouco) e não apareceram mulheres na praia.
XVII: neste longo capítulo, uma ênfase na magia dos nativos, que segundo sua mentalidade, rege tudo, desde os interesses sociais, como fertilidade na agricultura e construção de canoas que sejam velozes, passando por sucesso sexual, a chuva, a direção do vento, proteção contra as nefastas mulukwausi e outros seres malignos, a doença, salvo casos de mal-estares passageiros, também é causada pela magia e outras desgraças, como perda da esposa, morte, e demais maldições são todas por culpa da magia. Logo em seguida tenta-se rastrear as raízes etnográficas da magia, mas isto não é tarefa fácil, pois jamais um nativo responderia a esta pergunta diretamente, ou escreveria uma dissertação sobre o assunto, encantamentos não são transmitidos por espíritos através de sonhos, mas surgem do fundo da terra, por exemplo. Diversos tipos de encantamentos: pronunciados sem ritos, acompanhados por ritos de impregnação, por ritos de transferência, e encantamentos acompanhados por oferendas e invocações. Onde fica armazenado a recordação dos encantamentos: na barriga. Pormenores de algumas magias. Enfim, a magia se dá nos objetos (ou eventos da natureza) pela repetição dos encantamentos, até o objeto se modificar da forma desejada.
XVIII: pesquisa-se sobre a origem das palavras nos encantamentos e descobre-se que apesar de ter frases centrais de origem arcaica, muitas palavras são adicionadas aos encantamentos ao longo das gerações, é fornecida a transcrição e tradução do encantamento Wayugo como exemplo. Vemos outra transcrição de um encantamento Kula, e analisa-se palavra por palavra, pelo aspecto principalmente fonético, algumas palavras não tem significado no mundo real, são as “palavras mágicas”. Outras transcrições, e duas explicações diferentes para o significado da palavra visi’una, segundo dois informantes.
XIX: O Kula interior – como funciona o “Kula interior”, que é realizado dentro das ilhas Trobriand, e a perda do poder pelos chefes tribais devido à exploração comercial dos nativos pelo mundo civilizado, onde obtém-se pérolas em troca de fumo, noz de areca etc. os casamentos intertribais, que são feitos pelas classes abastadas, entre homens de Sinaketa e mulheres de Kiriwina. Inédita realização do Kula entre duas mulheres: ambas esposas do chefe tribal. Os dois tipos de Kula interior: entre duas aldeias unidas por terra, e dentro de uma mesma comunidade .
XX: Expedições entre Kiriwina e Kitava – as trocas entre estas duas ilhas não são tão necessárias quanto às entre Sinaketa e Dobu, já que as duas ilhas possuem praticamente as mesmas características, atividades econômicas, produtos, embora as transações sigam todas as normas do Kula. O escândalo quando um filho do chefe da aldeia visitante é pego em adultério com uma das mulheres mais jovens do chefe da tribo anfitriã, a forma violenta de se presentear uma família com porcos.
XXI: As divisões restantes do Kula e suas ramificações – conexões da ilha Tubetube com Murua (denominação dos habitantes de Tubetube da ilha Woodlark), Normandby e outras, o uso de canoas maiores para viagens em alto-mar, a absorção destes nativos pela indústria da pérola, rotas de troca entre Kavataria, Kayleula, e demais ilhas.
XXII: O significado do Kula – finalizando, algumas observações sobre o Kula, o fato dos nativos se apegarem aos presentes não de uma forma como nós ocidentais nos apegamos à riqueza, mas de uma forma de “adoração religiosa”, outras disgressões, e uma reflexão sobre o papel da etnologia perante aos grandes conflitos mundiais, como exemplo a I Guerra Mundial, que acontecia nos anos em que a presente pesquisa era vivenciada e registrada neste arquipélago.
REFERÊNCIA:
MALINOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné melanésia. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978

sexta-feira, 1 de maio de 2009

OS REMÉDIOS DO AMOR

Se alguém ama e este amor lhe dá prazer, goze feliz dessa paixão e navegue a favor do vento. Mas se padece as imposições de uma garota ingrata, prove, para que não pereça, a assistência da nossa arte[1]. Tão comuns em seu tempo, a morte daqueles que sofrem por amor permeia de forma generalizada as histórias de deuses e mortais. Sobreviver às loucuras do amor de forma racional é a grande meta a ser atingida.
Grande gênio da literatura latina, Ovídio traz em sua obra Os remédios do amor uma espécie de receituário dirigido àqueles que sofrem por amor. O próprio título já deixa clara a sua intenção: a cura para os desenganos do amor. Ou nas palavras do próprio poeta: o proveito que se busca é apagar as cruéis chamas e não deixar o coração escravo de seu mal[2].
Ovídio acredita que quanto mais cedo previna-se os males do amor, mais facilmente apagar-se-ão as marcas por ele deixadas n’alma dos amantes, afinal todo amor promete sempre e encontra alimento na demora[3]. As feridas que são facilmente curáveis no início tendem-se a agravar com o passar do tempo, tornando a tarefa mais árdua.
Desta forma, vai enumerando uma série de conselhos, ou argumentos, em favor daqueles que desejam livrar-se deste mal da forma mais racional possível, sempre lembrando que amor e sofrimento estão unidos de forma indelével. Assim, em primeiro lugar Ovídio aconselha que evite-se a ociosidade, pois ela é causa e alimento desse mal gostoso[4]. Aquele que sofre por amor pode então ocupar suas mente com o trabalho, o cultivo da terra, a caça ou a criação de animais. Se ainda assim, não puder manter o pensamento longe de sua amada, deve partir, por mais fortes que sejam os laços que o prendam.
Se por algum motivo não puder fugir, não use de poções e malefícios para curar-te, recomenda Ovídio. A melhor maneira de esquecer os encantos da amada é pensar nos seus defeitos, aumenta-los, somente a eles contemplar. Esquecer suas qualidades, sua doçura, sua beleza. Procurar flagrá-la nos momentos em que não espera ser vista: despenteada, desalinhada. E, quando finalmente for entregar-se aos prazeres de seu leito, para que os prazeres de tua amiga não te fascinem, se os enfrentares de corpo inteiro, gostaria que entrasses em comércio com uma outra mulher: uma mulher qualquer que encontrasses, para nela descarregar tua volúpia primeira. Conselhos deste tipo, combinado com outros como ter mais de uma amante, apoiado no argumento de que quando o coração dividido ao meio, corre de um e outro lado, um amor priva o outro de sua força[5], são o verdadeiro reflexo das relações e costumes que imperavam na sociedade romana da época.
Enganar a si mesmo, criar desconfianças, são atitudes que em conjunto com as outras anteriormente citadas são de grande valia para esquecer e acabar com o amor que te faz sofrer. No entanto, deve-se evitar a solidão: estar com os amigos, freqüentar os ambientes sociais, são uma boa forma de manter o pensamento distante de quem causou teu sofrimento. E sobretudo, evitar o contato com amantes apaixonados, pois o amor infiltra-se às escondidas, se não te afastas de quem ama[6].
Toda a obra é deliciosamente permeada com os mais variados exemplos de amantes e seus sofrimentos, presentes na mitologia greco-latina. Além de grande extensão cultural e passagens divertidíssimas, consideradas um contra-senso nos dias de hoje, este “pequeno grande manual” não perdeu sua atualidade. Passam-se os séculos os seres humanos continuam matando e morrendo, cometendo as mais diversas loucuras em nome do amor. Para tanto basta conferir-se a enorme quantidade de crimes passionais freqüentemente relatados pelos meios de comunicação. Apesar de determinadas divergências culturais, como já foi anteriormente assinalado, Ovídio ainda hoje seria um grande professor do emprego da racionalidade nas relações sentimentais.
No mais, ainda há de admitir-se que o amor será sempre um motivo sublime: sempre inspirou as mais belas canções e histórias. Sofrer por amor? Morrer de tanto amar? Quem não haverá de admitir o quão importante sua existência se faz em nossas vidas? Afinal, nada é mais belo e cruel ao mesmo tempo, daí extrai-se o seu fascínio.

NOTAS:
[1] Ovídio (1994, p. 25). OVÍDIO. Os remédios do amor. Trad. Antônio da Silveira Mendonça. São Paulo: Nova Alexandria, 1994.
[2] Op. Cit., p.27.
[3] Op. Cit. p.33.
[4] Idem, p. 35: Quando qualifica o amor como um mal gostoso Ovídio deixa clara a necessidade da racionalidade nas relações que o envolvem, pois assim como pode trazer prazer e felicidade, pode também ser motivo de frustração e desenganos para os amantes, chegando ao ponto de leva-los a cometer verdadeiras loucuras.
[5] Idem, p.59
[6] Idem, p. 73.

A SÁTIRA DA VIDA FELIZ: estoicismo e epicurismo na cultura latina

Sêneca traz em “A Vida Feliz” uma expressiva reflexão sobre as doutrinas filosóficas mais importantes da Roma Antiga. Contrapõe em sua obra o estoicismo de Zenon e o Epicurismo, doutrina fundada por Epicuro. Grosso modo, pode-se dizer que a proposta da primeira era chegar-se à felicidade através da obtenção, por meio da virtude, de um perfeito equilíbrio interior capaz de fazer o homem aceitar com a mesma serenidade a dor e o prazer, a ventura e o infortúnio e a da segunda, que a felicidade humana estava na busca do prazer.
Na apresentação que faz da obra de Sêneca, Diderot afirma que o estoicismo não é senão um tratado sobre a liberdade entendida na plenitude de sua significação[1]. Segundo os estóicos, o homem feliz é aquele que vive segundo a natureza, para quem não há bem maior do que a virtude nem mal pior que o vício e, o mais importante: o homem não deve tornar-se um escravo do prazer.
De todos os prazeres o mais doce é aquele que nasce da virtude[2]. A virtude defendida por Epicuro é a do homem do mundo, sujeito a erros e acertos, falho, por sua própria natureza. No entanto, percebe-se que, na prática, sua doutrina foi desvirtuada pela vida amoral do cidadão romano. Para evitar a infâmia que mereciam por seus costumes depravados, os efeminados, pervertidos e os corruptos se disseram discípulos do prazer; e eram de fato; mas tratava-se de seus próprios prazeres, não dos de Epicuro[3].
A amoralidade dos costumes romanos, a busca incansável pelo prazer, de maneira hedonista, foram perfeitamente relatados por Petrônio, na obra Satyricon. Narrando as aventuras de três jovens – Encólpio, Ascilto e Gitão – o autor traça um panorama da vida e da cultura romana, descrevendo as orgias e os grandes banquetes, tão comuns na Roma Antiga.
A obra de Sêneca é destinada a seu irmão Gallione, e assemelha-se a um pequeno manual sobre a busca da felicidade que inicia afirmando que esta é meta de todos, mas que o caminho é árduo. Entre os males que afastam o homem do caminho da felicidade, Sêneca destaca a multidão, a sociedade. Nada é pior do que escutar a fala da sociedade, -considerando justo o que a maioria aprova, e imitar o modelo do comportamento da massa, vivendo não segundo a razão, mas pelo conformismo. Para o filósofo, a maioria induz ao erro e propaga-o, pois as pessoas que preferem aceitar a opinião alheia a pensar pelas próprias idéias limitam-se a crer antes de avaliar, forma pela qual o erro é transmitido de mão em mão.
Os estóicos seguem a natureza, obedecendo a seus exemplos e leis. A vida feliz é, pois, aquela adequada à natureza e alcançável em primeiro lugar pelo espírito sadio e perpétuo possuidor desta saúde; em segundo lugar pelo espírito forte, vigoroso e além de tudo paciente e apto a resistir a todas as provações, solícito aos cuidados do corpo, dedicado a procurar outras benesses que alegram a vida, sem inebrios, gozando os dons da fortuna sem escravizar-se a ela[4].
Para Sêneca, o homem feliz é aquele dotado de reto juízo, que se contenta com seu estado e condição, qualquer que seja, e aprecia o que é de sua posse. Enfim, é feliz quem confia à razão a gerência de toda a sua vida. Aqueles que colocam a felicidade nos prazeres, logo se dão conta de seu erro. O prazer é baixo e servil, débil e fugaz, sua sede e morada são os prostíbulos e tabernas. Petrônio deixa claro o quanto era aceitável para os romanos confundir felicidade e prazer, e pode ser ilustrada com a seguinte passagem de sua obra:
Depois de havê-lo procurado em todos os quarteirões da cidade, voltei para casa e consolei-me nos braços de Gitão. Enlacei-o com os mais calorosos abraços. Minha felicidade, igual a meus desejos, era realmente digna de inveja.[5]
Para Sêneca, a vida deve ser orientada pela virtude. Nenhum prazer pode contrapor-se á previdência, grandeza, saúde moral, liberdade, harmonia, beleza...Por que falar-me em prazer? Eu busco o bem do homem, não o do estômago, como é provável ocorrer nos animais e nas bestas incapazes.
A esta crítica de Sêneca, convém lembrarmo-nos da descrição do banquete oferecido por Trimálquio, que ocupa cerca de cinqüenta capítulos do Satyricon, na qual Petrônio satiriza os costumes da época.
Entrementes, trouxeram o primeiro prato, que não podia ser mais maravilhoso. Todos já se achavam à mesa, com exceção de Trimálquio, a quem – contra os costumes – não se tinha reservado o lugar de honra. [...] Havia bandejas em forma de pontes, contendo coelhos temperados com mel e papoula. Um pouco além, salsichas bem tostadas, numa grelha de prata. E sob a grelha, ameixas sírias e polpas de romã[6].
Petrônio prossegue descrevendo todos os exageros e extravagâncias do banquete, evidenciados na cena em que o cozinheiro abre o ventre de um enorme porco, do qual jorram salsichas e morcelas em imensa quantidade.
O homem envolto na lascívia, imoral e ébrio, sabe que vive com o prazer, mas crê viver com a virtude. [...] Esses não prezam o prazer de Epicuro posto que este é sóbrio e austero, mas enlevam-se pelo nome, buscando um pretexto que acoberta suas paixões. [...] Epicuro apregoa que o prazer obedeça à natureza, mas é muito insuficiente para a luxúria o que basta para a natureza[7].
Logo no início do Satyricon, Petrônio faz uma interessante descrição do prostíbulo ao qual Encólpio é levado por uma velha senhora e onde encontra Ascilto. Demonstra com presteza toda a luxúria a qual Sêneca se refere e salienta a questão da servidão ao prazer.
[...] A tentação nos venceu e, seguindo nossos guias, atravessamos várias salas, teatros lúbricos dos jogos da volúpia. A julgar pelo furor dos combatentes, dir-se-ia que estavam embriagados de satírio. Vendo nosso aspecto, eles repetiam as posturas lascivas, para nos levar a imitá-los. De repente, um deles levantou as vestes até a cintura e, atirando-se sobre Ascilto, lançou-o sobre um leito próximo, tentando violentá-lo.
É importante ressaltar-se ainda, o papel da riqueza para a busca da felicidade. Para os estóicos, a riqueza pouco significa, pois o importante é viver segundo a natureza. Sêneca afirma que a riqueza é serva na casa do sábio e senhora na casa do néscio[8]. Assim, aqueles que vivem em busca do prazer, além de gananciosos, fazem da riqueza um meio para atingir seu objetivo egoísta de prazer desmedido. A riqueza torna-se tudo e dela, fazem-se escravos.
Na sua ânsia de riqueza e prazer, os jovens personagens de Petrônio envolvem-se nas mais complicadas situações, como quando furtam pertences de Licas: Apenas Gitão percebeu as minhas manobras; procurou então, livrar-se dos guardas e encontrou-se logo depois comigo. Quando ele chegou, mostrei-lhe o que tinha roubado e resolvemos imediatamente ir ao encontro de Ascilto[9].
Enfim, percebe-se que a vida cultural da Roma Antiga está profundamente ligada a condutas hedonistas que pouco se assemelham ao Epicurismo. A doutrina de Epicuro além de desvirtuada, transforma-se num discurso que justifica as práticas adotadas pela sociedade, como a libidinagem, as orgias e os grandes banquetes. Práticas incentivadas e legitimadas pelo poder do Império e que, em última análise, não deixavam de ser uma válvula de escape para as tensões sociais, assim como a política do pão e do circo.



Notas:

[1] Sêneca (1991, p.12)
[2] Op. Cit., p. 14.
[3] Op. Cit., p. 15.
[4] Sêneca, Op. Cit., p. 27.
[5] Petrônio (1981, p. 14).
[6] Petrônio, Op. Cit, p.44
[7] Sêneca, Op. Cit., p. 39-40.
[8] Idem, p. 62.
[9] Petrônio, Op. Cit. p. 18.

Referências:

PETRÔNIO. Satyricon. São Paulo: Abril Cultural, 1981.
SÊNECA. A Vida Feliz. Campinas: Pontes, 1991.