sexta-feira, 1 de maio de 2009

OS REMÉDIOS DO AMOR

Se alguém ama e este amor lhe dá prazer, goze feliz dessa paixão e navegue a favor do vento. Mas se padece as imposições de uma garota ingrata, prove, para que não pereça, a assistência da nossa arte[1]. Tão comuns em seu tempo, a morte daqueles que sofrem por amor permeia de forma generalizada as histórias de deuses e mortais. Sobreviver às loucuras do amor de forma racional é a grande meta a ser atingida.
Grande gênio da literatura latina, Ovídio traz em sua obra Os remédios do amor uma espécie de receituário dirigido àqueles que sofrem por amor. O próprio título já deixa clara a sua intenção: a cura para os desenganos do amor. Ou nas palavras do próprio poeta: o proveito que se busca é apagar as cruéis chamas e não deixar o coração escravo de seu mal[2].
Ovídio acredita que quanto mais cedo previna-se os males do amor, mais facilmente apagar-se-ão as marcas por ele deixadas n’alma dos amantes, afinal todo amor promete sempre e encontra alimento na demora[3]. As feridas que são facilmente curáveis no início tendem-se a agravar com o passar do tempo, tornando a tarefa mais árdua.
Desta forma, vai enumerando uma série de conselhos, ou argumentos, em favor daqueles que desejam livrar-se deste mal da forma mais racional possível, sempre lembrando que amor e sofrimento estão unidos de forma indelével. Assim, em primeiro lugar Ovídio aconselha que evite-se a ociosidade, pois ela é causa e alimento desse mal gostoso[4]. Aquele que sofre por amor pode então ocupar suas mente com o trabalho, o cultivo da terra, a caça ou a criação de animais. Se ainda assim, não puder manter o pensamento longe de sua amada, deve partir, por mais fortes que sejam os laços que o prendam.
Se por algum motivo não puder fugir, não use de poções e malefícios para curar-te, recomenda Ovídio. A melhor maneira de esquecer os encantos da amada é pensar nos seus defeitos, aumenta-los, somente a eles contemplar. Esquecer suas qualidades, sua doçura, sua beleza. Procurar flagrá-la nos momentos em que não espera ser vista: despenteada, desalinhada. E, quando finalmente for entregar-se aos prazeres de seu leito, para que os prazeres de tua amiga não te fascinem, se os enfrentares de corpo inteiro, gostaria que entrasses em comércio com uma outra mulher: uma mulher qualquer que encontrasses, para nela descarregar tua volúpia primeira. Conselhos deste tipo, combinado com outros como ter mais de uma amante, apoiado no argumento de que quando o coração dividido ao meio, corre de um e outro lado, um amor priva o outro de sua força[5], são o verdadeiro reflexo das relações e costumes que imperavam na sociedade romana da época.
Enganar a si mesmo, criar desconfianças, são atitudes que em conjunto com as outras anteriormente citadas são de grande valia para esquecer e acabar com o amor que te faz sofrer. No entanto, deve-se evitar a solidão: estar com os amigos, freqüentar os ambientes sociais, são uma boa forma de manter o pensamento distante de quem causou teu sofrimento. E sobretudo, evitar o contato com amantes apaixonados, pois o amor infiltra-se às escondidas, se não te afastas de quem ama[6].
Toda a obra é deliciosamente permeada com os mais variados exemplos de amantes e seus sofrimentos, presentes na mitologia greco-latina. Além de grande extensão cultural e passagens divertidíssimas, consideradas um contra-senso nos dias de hoje, este “pequeno grande manual” não perdeu sua atualidade. Passam-se os séculos os seres humanos continuam matando e morrendo, cometendo as mais diversas loucuras em nome do amor. Para tanto basta conferir-se a enorme quantidade de crimes passionais freqüentemente relatados pelos meios de comunicação. Apesar de determinadas divergências culturais, como já foi anteriormente assinalado, Ovídio ainda hoje seria um grande professor do emprego da racionalidade nas relações sentimentais.
No mais, ainda há de admitir-se que o amor será sempre um motivo sublime: sempre inspirou as mais belas canções e histórias. Sofrer por amor? Morrer de tanto amar? Quem não haverá de admitir o quão importante sua existência se faz em nossas vidas? Afinal, nada é mais belo e cruel ao mesmo tempo, daí extrai-se o seu fascínio.

NOTAS:
[1] Ovídio (1994, p. 25). OVÍDIO. Os remédios do amor. Trad. Antônio da Silveira Mendonça. São Paulo: Nova Alexandria, 1994.
[2] Op. Cit., p.27.
[3] Op. Cit. p.33.
[4] Idem, p. 35: Quando qualifica o amor como um mal gostoso Ovídio deixa clara a necessidade da racionalidade nas relações que o envolvem, pois assim como pode trazer prazer e felicidade, pode também ser motivo de frustração e desenganos para os amantes, chegando ao ponto de leva-los a cometer verdadeiras loucuras.
[5] Idem, p.59
[6] Idem, p. 73.

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